Na minha nada vasta experiência com a cultura russa, o balanço final dizia que os jovens russos eram simpáticos, mas os mais velhos nem um pouco agradáveis. Na maioria das atrações turísticas, eram os últimos que nos atendiam. Eles estavam lá vendendo os bilhetes, controlando as entradas, vigiando as salas do Hermitage ou até mesmo nos caixas dos supermercados e o tempo todo nos sentíamos como se estivéssemos sendo repreendidos por estar fazendo algo errado. Por que eles faziam uma cara tão feia se só tínhamos pedido dois ingressos para o museu? Ou nos olhavam o tempo todo como se fôssemos esbarrar em algo?
É claro que a língua não ajuda e é fácil achar que estão brigando conosco quando eles falam russo e nós não, mas mesmo com os jovens com os quais nos comunicávamos apenas através de mímica isso não acontecia. Também é fácil encontrar as desculpas para a aparente hostilidade. Eu dizia a mim mesma que aquelas pessoas cresceram em um mundo bem diferente do meu e tentava não julgá-las.
Em apenas um lugar tive uma impressão diferente. Foi no Memorial Literário Fiodor M. Dostoevsky. O Museu Dostoiévski é formado por alguns cômodos reconstituídos de um apartamento simples e pequeno em que ele viveu. Lá também estão expostas algumas fotos e memórias, mas o acervo não é muito grande. O local só deve interessar àqueles que, como eu, são fãs do escritor. Como eu já contei aqui, foi a literatura russa que despertou em mim o desejo de conhecer o país, então é claro que eu não perderia a chance de visitar a casa em que Dostoiévski morou nos seus últimos anos de vida, de 1878 a 1881.
Mas não foi a emoção de estar no local em que Os Irmãos Karamázov foi escrito que me surpreendeu. A parte mais legal da visita aconteceu ainda na entrada, quando a senhora da bilheteria me perguntou se eu queria pagar para tirar fotos dentro da casa. Na Rússia é comum que os museus cobrem uma taxa extra de quem quer fotografar a exposição.
Eu respondi que não, que queria só os ingressos comuns. Tudo isso em mímica e apontando para os valores na tabela de preços, claro. Mas ela, por algum motivo que ainda não entendi, não se conformou. De repente, sem me questionar, ela pegou meu ingresso de volta e trocou por um outro, de estudante, que custava a metade do preço. E me deu o colarzinho do bilhete que incluía fotografia.
Ela colocou o bilhete e o colar na minha mão e, naquela linguagem que só duas pessoas que não falam a mesma língua entendem, disse que eu poderia tirar fotos. Paguei menos do que pagaria pelo bilhete comum e segui contente com minha câmera no pescoço, que exibi sorridente para outro senhor carrancudo que guardou minha bolsa no guarda-volumes. Mas não tinha problema receber mais uma cara feia. Eu já tinha ganhado meu dia. Uma senhorinha russa tinha sido simpática comigo!
O Museu Dostoiévski fica na Kuznechny Pereulok, 5/2, pertinho do Metrô Dostoyevskaya. Ele fica aberto de terça a domingo, das 11h às 18h, exceto às quartas, quando funciona das 13h às 20h.
Em agosto de 2011 a entrada para adultos custava 160 rublos e a permissão para fotografar 100 rublos. Hoje a história aqui contada não existiria, pois fotos e vídeos no museu foram liberados. Consulte os valores atualizados no site do museu.
* Me perdoem, mas eu não resisti ao trocadilho no título do post com o título de um livro de Dostoiévski, Memórias do Subsolo. A entrada para o museu fica no subsolo do prédio. ;-)
Post atualizado em fevereiro de 2018.
Veja todos os posts da minha viagem a São Petersburgo.
To relendo os posts porque finalmente vou = )
Ai, que delícia! Eu sou doida para voltar! Vai quando? Falando um pouco de russo vai ser fantástico!
Desculpa, não vi que você tinha me respondido! Mas vou dia 5 de abril e volto dia de julho!
Suponho que vai deixar as coisas práticas mais fáceis, e vai ser uma oportunidade de melhorar meu russo.
Ai, que legal!!! Vai ser uma experiência e tanto!
(Depois do seu comentário até reli o post e atualizei algumas informações. A foto não é mais cobrada!)
Memórias de Subsolo é meu livro preferido do Dostoiévski! :)
(Seu blog é uma delícia, viu? Parabéns!!!)
Obrigada, Ana! Se você também é fã de Dostoiévski, não pode perder esse pequeno museu quando for a São Petersburgo. Para quem não gosta muito ou não conhece o autor pode ser sem graça, mas para nós é imperdível! :-)
Conheci a RUSSIA nos jogos Olimpicos de 1980,em outra fase da URSS,mas com um pouco de tempo para respirar o ar e o modo de conviver .Não saber a lingua,é a primeira razão para muitas duvidas e certamente desconfianças.Se na verdade o sorriso nos coloca mais abertos,ele por vezes pouco significa.Para entender um pouco mais de qualquer povo é necessario saber um pouco da história,e conhecer um pouco do que foi as ditaduras…para que já é para muitos impossiveis conhecer a guerra.Hoje convivendo com Russos creio que já outra opinião seria formada,mas nunca se poderá desjear que eles, ou qualquer povo seja uma cópia de qualquer um,.Vale sim uma visita e permanecer se possivel mais alguns dias em qualquer país,do que visitar muitos apressadamente
Rafael, imagino que a Rússia se hoje seja muito diferente da que você encontrou na década de 80, mas uma parte interessante da viagem que fiz foi justamente sentir como a sociedade russa está passando por esse período de transição. A diferença de posturas entre as gerações é visível, mas sentir essa diferença e tentar entendê-la é uma das riquezas de uma viagem para lá. Mesmo que não possamos sequer imaginar o que tenha sido crescer na União Soviética.
Oi camila! Estou na russia e adorando! Obeigada pelas dicas. Sobre o
Jeito deles, acho importante entendermos e aceitar. Alem de tudo q
Foi citado acima(vestigios da guerra, habitos etc) vale pensarmos neles que estao donoutro lado e nao
Tiveram oprtunidades como por exemplo, nos temos, de estudar ingles e viajar. Muitos, muiiiitos deles, nunca saiu do
Pais. Nunca pegou um aviao. Entao sim, tem as excecoes (recebi um apertinho no ombro de uma velhinha russa no museu q tbem me deixou fotografar e tbem fiqiei feliz rs) mas para e regra, procurei entender e dar meu sorriso. De qlguma forma pode os ter cativado, pq pra eles, sorriso de graca nao vem todo dia ;). Bjos!
Lud,tentar entender e não julgar é o mínimo que podemos fazer, né? Essa abertura nos faz ver o país e as pessoas com outros olhos e nos possibilita ter ótimas experiências!
Depois volte para me contar mais sobre a sua viagem! :-)
Beijos!
Camila, estive na Russia e senti exatamente o contrário.
As pessoas mais jovens eram mal educadas e tentavam se dar bem todo o tempo.
Já os mais velhos, apesar de frios e desconfiados, ao perceber que se tratava de brasileiros, mesmo nao falando ingles, faziam de tudo para se comunicar e ajudar.
Será que tive sorte ?
Renata, acho que você deu sorte com os mais velhos e eu com os mais novos. ;-) Mas, apesar da rudeza de alguns e da dificuldade de comunicação, nossa viagem transcorreu sem grandes problemas. Vale a pena, né?
Oi, Camila. Tudo bem?
Seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem. Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Bjs,
Bóia
Obrigada mais uma vez, Bóia! :-)
A senhora da bilheteria é uma defensora da literatura e cultura russa, certamente! Achou que seria um pecado vocês não tirarem fotos no museu de um dos maiores escritores russos. Legal!
Arthur, isso porque ela nem sabia que as fotos acabariam aqui no blog para um monte de gente ver, né? ;-)
Camila
Acho que vc sentiu o mesmo nesse museu que eu senti na casa de Jane Austen en Bath!!!… a diferença é que em Inglaterra toda a gente é simpatica… :-)
Ps: os guardas de museus mais carrancudos que conheço são os alemães!!hehe
Margarida, você sabe que também sou fã de Jane Austen, né? Visitar a casa dela em Bath vai ser obrigatório quando eu for à Inglaterra!
Camila, eu já tinha lido tanta coisa sobre o mau humor e antipatia dos russos que fui preparada! Mas já no meu caso me surpreendi positivamente! No Hermitage achei aquelas velhinhas uns amores! Coitadinhas, a maioria dormindo nas cadeiras, de vez em quando se acordavam, abriam a bolsinha, colocavam um batom, e se lembravam que não estavam sozinhas e vinham verificar se tinhamos autorização para fotografar… Mas sempre educadamente. Na metade da visita (ficamos 7 horas ali dentro!!!) meu marido perdeu a etiqueta para tirar fotos e continuou fotografando (ele guardou o ticket de autorização caso alguém viesse incomodar!), mas sempre vinham me perguntar se ele tinha o ticket, eu tentava responder que sim e queria ir buscar para mostrar, mas sempre diziam que não precisava.
Duas vezes em supermercado o alarme apitou com a gente, e os seguranças vinham bem simpáticos verificar… Da primeira vez era um livro da biblioteca, eu tentei explicar e ainda pedi que ele desmagnetizasse o livro! Lá foi ele fazer o que pedi (em gestos). Da outra vez foi saindo do supermercado, o segurança verificou apenas as vodkas que tinhamos comprado e eu ali morrendo de medo pois meu marido não tinha mais lugar onde guardar as coisas e tinha colocado umas compras nos bolsos! Mas ele viu e nos deixou passar. No final das contas a minha imagem foi bem positiva!
Milena, eu também estava preparada e me surpreendi quando a senhora foi simpática. Talvez você tenha tido mais sorte e as pessoas gentis apareceram mais no seu caminho do que no meu. :-)
Me lembro das velhinas no Hermitage! Realmente elas cochilavam e quando a gente entrava na sala se ajeitavam em suas cadeiras! :-)
Camila, adorei ver a sua visita a esse apartamento, eu também quero ir! Você refez a rota de Raskolnikov até o apartamento da usurária? No meu guia Lonely Planet, diz que dá até pra entrar no tal prédio… (Deu pra notar que Crime e Castigo é o meu preferido?)
Essa sua experiencia com a senhorinha do museu me pareceu tão… russa! Me lembrou um trecho do livro que te indiquei outro dia. É sobre a primeira vez em que a autora foi a uma mercearia de bairro, vou transcrever pra você:
“A funcionária do mercado era uma senhora de aparência sisuda. (…)
Para minha surpresa, a senhora abriu-se em um largo sorriso e me deu um caloroso bom dia. A amabilidade é mercadoria escassa nesse país, especialmente com essas criaturas suspeitas que são os estrangeiros. Registrou o macarrão e o queijo, mas a máquina não conseguiu captar o código de barras que revelaria o preço do peixe. Paciente, levantou-se e foi à prateleira dos enlatados atrás do produto. Não achou. Ofereço-me para ajudar. Nada. Resolvi, então, para lhe facilitar a vida e poupar tempo a nós duas, levar um similar. Afinal, que diferença faria para um estrangeiro disposto a experimentar as iguarias russas comprar este ou aquele?
Perdi mais dois minutos e achei uma lata com trutas defumadas. Voltei ao caixa. E o semblante pacífico da mulher mudou quando passou o código de barras no leitor ótico. Como boa russa, perdeu as estribeiras em um turbilhão:
– Isso é um absurdo! É muito caro! Não leva isso, não. Noventa rublos por essa latinha? Quer trocar?
– Está bem. Posso mesmo? – respondi, quase com medo.
– Claro. Isso aqui é um desaforo!
Lá fui eu perder outros dois ou três minutos. Achei uma lata de siold, o famoso arenque salgado que combina tão bem com a vodca e o pão preto. Nunca tinha visto esse peixe enlatado e, por isso, resolvi dar-lhe uma chance.
A funcionária conseguiu passar o produto e, aparentemente, achou o preço justo. Ficou feliz e não disfarçou o ar de vitória. Eu também.”
A autora também fala sobre essa característica que a Mirelle comentou. Aliás, os porteiros e porteiras dos prédios e profissionais semelhantes não eram exatamente os mais queridos, porque faziam parte do sistema de informação do antigo regime (afinal, são pessoas que sabem de tudo da vida de todos!). Tenho lido em várias fontes que é impossível saber o que um russo está pensando, porque eles nunca entregam com as expressões faciais… Um romance histórico sobre a revolução russa me esclareceu outra causa determinante da falta de tato e do jeito meio rude das pessoas: na época da revolução, a “etiqueta” passou a ser considerada uma coisa “burguesa”, uma demonstração da desigualdade entre as pessoas, que devia ser repelida em todas as suas manifestações. Assim, mudaram desde as formas de tratamento (nada de “senhor, senhora”, era tudo “camarada” ou algum equivalente) até a ausência das filas, que todo mundo comenta que é um conceito desconhecido na Rússia.
Desculpa o comentário gigante, me empolguei com o tema!
Wanessa, tem tanta coisa que eu queria ter feito em São Petersburgo e acabei não fazendo! Uma delas é o roteiro de “Crime e Castigo”. Tem todo um itinerário (olha aqui: http://tudosobrearussia.com.br/?p=758) e eu acho que deve ser bem legal para quem gosta do livro. O meu preferido é “O Idiota” e queria muito ter ido a Pavlovsk. Eu já disse que quero voltar, né? Motivos não faltam!
Tô até hoje querendo comprar o livro, mas sempre enrolo! Aposto que vou adorar! E não se preocupe com os comentários gigantes, o tema também me empolga :-)
Obrigada pela dica, não conhecia esse blog!
Ei, Camila! Acho que conheço a explicação para o mau humor dos velhos russos. Quando estive em Praga senti o mesmo mau humor vindo da parte dos mais idosos ou gente de 50, 60 anos -coisa que não sentiamos com a galera jovem. Não tem a ver com a cultura do pais, pensei. Conversando com uma senhora um pouco mais aberta que encontramos no hotel, ela nos contou que sao resquicios da Guerra Fria. Nessa época as pessoas não conversavam fora de suas casas pq qualquer dialogo nas ruas, no metrô ou num restaurante poderia ser ouvido por um espião ou delator e muita gente acabava sendo preso por causa de fofocas de vizinhos. Então ninguém ousava abrir a boca fora de casa. Depois eu comentei isso com um professor meu aqui na França e ele disse que é exatamente isso. Que é comum gente que viveu a 2Guerra ou a Guerra Fria se comportarem de maneira mais desconfiada e até fria com as outras pessoas. Talvez isso explique um pouco o que vc viveu na Russia também.
Bjim!
Mirelle, eu já tinha lido sobre isso e, para falar a verdade, já esperava a frieza dos russos. Se bem que não foi frieza o que encontrei lá (os suecos, por exemplo, são frios, mas super educados). Mas tentei entender justamente por causa da história recente do país. Acho que a gente não consegue nem imaginar como é viver sem liberdade de expressão, então quem sou eu para julgar? Mas aí fomos para os países bálticos, que viveram sob domínio da União Soviética durante a Guerra Fria e que antes disso haviam sofrido nas mãos de alemães. Acho que é mesma história de Praga, né? Mas as pessoas lá são super simpáticas! Diversas vezes apareceram velhinhas sorridentes para nos ajudar, mesmo quando não procurávamos ajuda. Discretas, mas sempre simpáticas. Então cheguei à conclusão de que não é só a história que determina a atitude de um povo, mas também a maneira com que ele lida com essa história. Os países bálticos são um exemplo de superação e mudaram minha forma de ver muitas coisas. Mas aí eu já tô contando as cenas dos próximos capítulos! Daqui uns dias publico um post sobre essas minhas divagações. ;-)