Pouco mais de 50 km separam Riga de Sigulda, a cidade que serve como porta de entrada para o Parque Nacional Gauja, no interior da Letônia. Às 8h05 da manhã embarcamos no trem que nos levaria até lá. Ainda na estação, na região central de Riga, percebemos que estávamos saindo da nossa zona de conforto. Nos guichês de bilhetes suburbanos – elektrovilcieni – o inglês já começou a dar lugar à mímica. Dentro do trem, éramos os únicos turistas. Durante pouco mais de uma hora de viagem, trabalhadores desciam em cidadezinhas cujos nomes, narrados no auto-falante, não conseguíamos decifrar.
A cada parada anunciada nós abríamos o mapa para tentar identificar a cidade em que estávamos, morrendo de medo de perdermos nosso ponto em um lugar totalmente desconhecido. E então apareceu um daqueles anjos que encontramos nas viagens! Uma senhora, percebendo nossa insegurança, começou a nos auxiliar silenciosamente. Quando a cidade era anunciada, ela balançava a cabeça para nos dizer que não era a que queríamos. Chegando em Sigulda, ela acenou positivamente e também desembarcou. Não falávamos a mesma língua e não conseguimos trocar uma única palavra, mas mesmo assim ela fez questão de nos guiar. Eu sabia aonde queria ir e conseguia me localizar a partir da estação, mas a ajuda era irrecusável. Ela nos conduziu pelas ruas da pequena cidade e só nos abandonou quando já estávamos dentro do centro de informações turísticas, onde fomos super bem recebidos. Agora me digam: como eu não iriar me apaixonar pelo Báltico?
De posse de um mapa da região, começamos nosso passeio pelas ruas ainda praticamente vazias nas primeiras horas da manhã. Nossa primeira parada foi o Novo Castelo de Sigulda, construído em 1881. Foi o único lugar em que encontramos um grupo de turistas naquele dia.
Logo atrás ficam as ruínas do Castelo Medieval de Sigulda, do início do século XIII. Há cerca de 300 anos, durante a Grande Guerra do Norte, o castelo foi destruído e nunca mais reconstruído, mas nós encontramos o local em plena restauração. Imagino que as ruínas ficarão ainda mais interessante após o fim das obras.
O castelo novo não me impressionou muito e as ruínas estavam parcialmente encobertas pelas obras, mas nem por isso a parada não valeu a pena. A melhor atração do local é a vista que se tem de lá. Ao longe visualizamos nossos destinos: Krimulda e Turaida. Com o zoom no máximo deu até para imaginar que a caminhada que nos esperava não era tão longa.
Desde cedo o tempo não estava muito propício à atividade que escolhemos, mas era o único dia que tínhamos disponível, então preferimos ir assim mesmo. É claro que quando começava a chover dava um pouco de preguiça. Em um desses momentos, ainda no início do passeio, eu insisti para que esperássemos a chuva passar na Igreja de Sigulda. A igrejinha não aparentava nada especial e a única coisa que eu sabia sobre ela é que tinha sido construída em 1225 e reconstruída em séculos mais recentes.
Lá dentro estavam apenas três velhinhas. Uma delas foi nos receber e começou a conversar conosco naquela língua incompreensível. Ela falava, falava e a pressão me fez esquecer as pouquíssimas expressões em letão que eu tinha tentado decorar. Aí me lembrei de que a Letônia esteve sob domínio russo até bem pouco tempo, que ainda há muitos russos no país e que a maioria das pessoas mais velhas fala russo. Então soltei um “Ni panimaio!” (Не понимаю – Não entendo, em russo). Pronto! Me enrolei de vez! A senhora realmente falava russo. Só que ela achou que éramos russos e começou a falar naquela língua também incompreensível! Comecei a balançar a cabeça e a dizer “Brasil, Brasil”, mas não adiantou. Ela parecia não me escutar (ou talvez nunca tenho ouvido falar em Brasil?) e continuou a falar sem parar.
Desistimos e nos deixamos levar pela simpática senhora enquanto ela provavelmente nos contava a história da igreja que guardava. Ela subiu conosco até a torre e nos deixou lá. Com certeza a igreja não recebe muitos visitantes, pois a torre estava uma poeira só! Quando começaram a cair uns bichinhos sobre nossas cabeças, descemos correndo, sorrimos como agradecimento à nossa anfitriã e nos despedimos. É claro que antes deixamos uma doação na caixinha da igreja. Guias assim não são encontradas em qualquer lugar!
Depois da experiência surreal na igreja, pegamos o teleférico que corta o vale do Rio Gauja. A vista é sensacional! E mais uma vez vimos que não era alta temporada por ali. Ficamos esperando o horário de partida e mais ninguém chegava. Com a gente foram apenas mais um casal de turistas e um senhor com cara de morador da região.
Chegando do outro lado, já estávamos em Krimulda. E aí São Pedro não deu trégua. Uma chuva impiedosa começou a cair e nos impediu de seguir em frente. Ficamos presos na casinha do teleférico, que apenas nos deixou e voltou para trás. O senhor e os outros turistas enfrentaram a água e sumiram. Não havia nada ou ninguém por ali. Para piorar, devido à chuva, o frio se intensificou (o verão por lá é como o inverno aqui no Sudeste). Que tristeza!
Depois de mais de meia hora, a chuva diminuiu e então encaramos o guarda-chuva para continuar o passeio. Andamos poucos metros e chegamos às ruínas do Castelo Medieval de Krimulda. Hoje apenas uma de suas paredes está de pé, mas no passado o castelo, construído entre 1255 e 1273, hospedava os visitantes ilustres da região.
A trilha nessa parte do caminho é linda e super agradável. No sentido em que andávamos é uma descida e, para nossa sorte, pavimentada! Nós não estávamos nem um pouco preparados para uma trilha na lama. Mas dava até um pouco de medo, principalmente por causa do mau tempo, pois não havia mais ninguém ali! Apenas um ciclista cruzou nosso caminho. O parque era só nosso!
Andamos quase meia-hora e chegamos à Caverna Gūtmaņala, a maior do Báltico, com 10 m de altura, 12 m de largura e quase 20 m de profundidade. Nós preferimos apreciar apenas sua entrada. Melhor não inventar de sair entrando em lugares escuros e desconhecidos sem instruções, né? O interessante é que as paredes da caverna são recobertas de inscrições com nomes e brasões de famílias. As mais antigas datam do século XVI!
Apesar de suas enormes dimensões, a caverna é mais famosa por uma história que a cerca, a da Rosa de Turaida. Reza a lenda que em 1605 uma criança foi encontrada entre os feridos de uma batalha e levada para o Castelo de Turaida, onde cresceu e se tornou a moça mais bonita da região. Seu nome era Maija Roze. Ela tinha vários pretendentes, mas seu grande amor era Viktor, um jardineiro do Castelo de Sigulda. Eles se encontravam em segredo no meio do caminho entre os dois castelos: na Caverna Gūtmaņala. Um dia Maija recebeu uma carta, supostamente de Viktor, marcando um encontro na caverna, mas quem a esperava lá era um soldado polonês que havia se apaixonado por ela. Para tentar escapar, Maija lhe ofereceu o lenço que envolvia seu pescoço, dizendo que ele oferecia uma proteção mágica. Para provar o que dizia, ela pediu que ele a atingisse com sua espada e que ela nada sofreria, pois o lenço a protegeria. O soldado fez o que ela dizia e acabou matando Maija.
Parte da história pode ser uma lenda, mas o crime realmente aconteceu. Dizem que os documentos do processo que determinaram o enforcamento do soldado pelo crime foram encontrados e confirmaram a história. A tragédia ainda emociona e o túmulo de Maija, localizado no Castelo de Turaida, até hoje recebe muitas visitas.
Deixamos a caverna e a triste história para trás e seguimos rumo a Turaida. Depois de pouco tempo o caminho fica menos interessante, pois não há mais trilhas na mata. Tivemos que seguir pela estrada, andando ao lado dos carros por quase uma hora, o que foi bem tenso. O terreno que abriga o castelo é enorme e andando ao lado da estrada já conseguíamos avistá-lo do outro lado da cerca, mas não podíamos alcancá-lo, pois há apenas uma única entrada.
Como a maioria das antigas construções da região, o Castelo de Turaida, de 1214, também foi praticamente todo destruído ao longo dos séculos. Após um incêndio, em 1776, ele foi abandonado e apenas 200 anos depois sua restauração foi iniciada. Hoje ele ostenta apenas parte de sua estrutura original, na qual funciona um dos museus que compõem o complexo de atrações do Museu-Reserva Natural de Turaida.
Em um dos prédios há um museu com informações sobre o castelo no período medieval, com direito a pessoas vestidas a caráter. ;-) É possível também conhecer a única torre que está de pé e que era usada como local de observação dos arredores e refúgio no caso de um ataque.
Para alcançar os 40 m de altura da torre temos que subir 5 andares, que depois de 5 horas de caminhada já não são encarados tão facilmente. Mas a vista compensa o esforço! Ainda mais quando se tem a sorte de ver o sol surgir depois de um dia todo com chuva! :-)
Deixamos de lado as outras atrações do Museu de Turaida, pois já estávamos exaustos. Visitamos apenas o castelo e pegamos um ônibus de volta para Sigulda (o ponto fica quase em frente ao museu). Chegamos bem a tempo de pegar o trem das 15:55h para Riga.
Tirando a parte em que tivemos que andar pela estrada (adoraria saber se há outro caminho!), o passeio de cerca de 6 km foi tranquilo e agradável. A chuva atrapalhou, mas mesmo assim deu para aproveitar. Imagino que em um dia ensolarado as paisagens devem ficar ainda mais belas! Mas, além das atrações históricas e naturais, o dia nos rendeu lindas lembranças do povo da Letônia!
Oi camila, o ano é 2020 e cá estou eu comentando em seu blog hahaha estou fazendo um trabalho da faculdade (curso turismo) e suas referências COM CERTEZA me ajudaram e muito! Mas a parte que me deixou curiosa, foi o custo e a demora de um local para o outro.. enfim! Obrigada aaaaa ❤️
Oi, Heloísa! Essa viagem aconteceu há quase 10 anos, então os valores que paguei com certeza não servem mais de parâmetro hoje.Quanto à demora de um local a outro. você se refere ao tempo de caminhada? Não tenho essa informação detalhada, mas fomos parando, sem pressa. Veja que chegamos lá por volta das 9h e que voltamos no trem das 15h55. Tem algum trecho específico que você gostaria de saber?
Olá, Camila.
Você recomenda esse passeio para eu ir sozinha? Ou vai ser meio complicado, até por conta da comunicação e tal?
A priori, tenho 3 dias pra dividir entre Lituânia e Letônia (viajo de ônibus à noite). Como você faria a divisão?
Ah, Paula, vai acabar sendo um dia e meio para cada mesmo, ou o que sobrar descontado o deslocamento. Quanto a ir sozinha, acho tranquilo. E a comunicação dá na mesma sozinha ou acompanhada quando ninguém sabe a língua. =)
Olá, Camila! Primeiramente, parabéns pelo seu excelente Blog! Gostaria de saber qual foi o mês no qual você viajou para os Países Bálticos? Estou indo em agosto, e gostaria de saber sobre o clima, que tipo de roupa levar, etc. Abraços!
Também fui em agosto, Suzana.
Paulo, como foi a sua viagem de carro? Estou planejando minha viagem para junho/16 e pretendo fazer os países bálticos de carro.
Boa noite. Fui em outubro passado. Alugamos o carro em Varsóvia, como planejado. De lá fomos para Treblinka (antigo campo de concentração Nazista, ainda na Polônia. Pouca coisa restou dele). Em seguida fomos para a Lituânia, Letônia e Estônia. Neste trecho, fique atenta, evitando a Bielorrússia, caso não tenha providenciado a documentação para este país (as locadoras também podem ter algumas restrições relativas a seguro etc). “Subimos” por um caminho e descemos mais próximo ao litoral. Toda a viagem foi muito tranquila e segura. As rodovias estão bem conservadas, porém com muitos trechos em reforma por duplicação de pista ou simplesmente para troca do asfalto (nada de tapa buraco). Passando pelas rodovias principais, não encontramos barreiras alfandegárias nas divisas. No trecho entre a Lituânia e a Letônia o GPS me traiu e enviou-me por estradas vicinais de terra (detalhe: já era noite) e na divisa entre os dois países fui parado por uma barreira policial (no escuro total, em estrada de terra). Fiquei preocupado com cobrança de propina, corrupção, mas os policiais foram receptivos e educados (checaram os documentos e desejaram boa viagem).Teria muito o que contar, mas em resumo é fácil definir: adorei. Lindo, sensacional. Muitas boas surpresas, belas paisagens e atrações inesperadas pelo caminho (moinhos, castelos etc). Ficaria feliz em transmitir mais dicas, mas teria que recapitular com calma os pontos visitados em seus detalhes. Precisaria também de mais tempo e espaço. Boa sorte.
Paulo, se precisar de espaço. o Viaggiando está à disposição! Se quiser fazer um relato da sua viagem, ficaria feliz em publicar aqui no blog.
Paulo, nós não viajamos de carro, mas a impressão que tive é que deve ser tranquilo dirigir por lá, pois as estradas eram boas e as distâncias curtas. Eu fiquei entre 2 e 3 dias em cada país e foi tempo suficiente para conhecer a capital e fazer um bate e volta na Letônia e na Lituânia. Se você ficar só nesses dois países vai ter tempo de conhecer muito mais do que eu conheci. Todos os posts sobre a minha viagem estão aqui: https://www.viaggiando.com.br/2012/05/europa-indice-de-posts.html
Olá. Irei em breve aos países bálticos com minha noiva (estamos com as passagens compradas para Varsóvia, para outubro de 2015, mas ainda estamos pesquisando por atrações). Temos o hábito de alugarmos um carro (já está reservado) e visitarmos as principais cidades dos países pelos quais passamos. Para esta viagem teremos 8 dias de estadias, mas ainda não definimos exatamente onde. Estamos pensando em irmos de Varsóvia para Lituánia, Letônia e talvez Estônia (esta já é conhecida) e depois voltaríamos para Varsóvia, onde pegaríamos o voo de volta.
O que me dizem a respeito de fazer este passeio de carro? Quais as cidades e atrações recomendam?
Obrigado.
Oi, Camila. Nessa momento estou aqui em Riga, e quero te dizer q suas dicas Foram muito importantes para organizarmos nossa viagem. Não fomos em Sigulda (por conta do cansaço. Temos ainda mais duas cidades pela frente, haja perna!) nem nas outras adjacentes, mas fomos em Tallin, e adoramos! Estou pensando assim como vc, fazer um blog pra ajudar a quem possa se interessante em viajar pelos países bálticos. Em português só achei o seu blog relatando sobre aqui, mais nenhum! Estou adorando a região, e acho a vale a pena divulga-la mais um pouco. De qualquer forma, muito obrigada pela sua ajuda, foi muito bem-vinda! Abcs
Que bom saber disso, Kadija! Essa região merece mesmo ser divulgada. Ela é especial, né? Eu adoraria voltar para explorar tudo com mais calma. :-)
Oi, Camila. Tudo bem?
Seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia Paulista
Oi, Bóia! Aparecer na Viajosfera é um grande estímulo para manter o blog sempre atualizado! :-)
Li o título do post e pensei: cuma???
Só você para descobrir esse lugar tão fora do “circuito”, Camila!
Wanessa, eu já tinha visto esse passeio no blog da Fê (viaggiomondo), mas confesso que achei que veríamos mais turistas por lá. Que nada! Acho que fomos na baixa temporada ou o tempo espantou os turistas, porque estava bem vazio.
menina, eu fiquei agoniada lendo o seu relato. senti como se fosse um europeu visitando uberlândia e tendo que achar historia para contar. mas você é viajante das boas, sabe aproveitar até as furadas de uma viagem.
haha Comparar com Uberlândia é até sacanagem! Quando ficamos presos pela chuva na saída do teleférico, ficávamos só pensando no programa de índio que tínhamos inventado, ou melhor, que eu inventei! Mas o passeio foi mesmo interessante, principalmente pelas pessoas que encontramos. Só mesmo no interior para termos experiências tão autênticas. ;-)