O Centro de Arte Popular – Cemig acabou de completar um ano de vida, mas eu aposto que a maioria das pessoas que está lendo este post nunca ouviu falar dele. Pois vocês nem imaginam o que estão perdendo! O acervo é riquíssimo! Quer saber o que irão encontrar lá? Um pouco disto tudo: arte popular, cultura de raiz, tradição. Herança passada de pai para filho, na maioria das vezes, sem plateia. Obras que refletem nossa diversidade cultural, marcada por crenças, por religiões, por folclore, lendas e mitos. Algumas antigas, outras novas. Resumindo, um lugar de reconhecimento e valorização do artesanato mineiro.
O Centro de Arte Popular se difere um pouco das outras instalações do Circuito Cultural Praça da Liberdade porque é um museu mais “tradicional”, digamos assim. Ao contrário do Memorial Minas Gerais Vale e do Museu das Minas e do Metal, nele o foco principal é a contemplação. Mas a visita não é enfadonha. As obras estão distribuídas por dois andares e as salas são temáticas. Para tornar a experiência mais interessante, a iluminação é diferenciada e músicas e vídeos nos ajudam a entrar no ambiente, enquanto caminhamos por um mundo repleto de criatividade.
Mas o que eu achei mais legal foi saber um pouquinho mais sobre os artesãos mineiros. Para isso, você pode contar com ajuda dos monitores do Centro que estão sempre dispostos a enriquecer ainda mais a visita. Nas duas vezes em que estive lá, quem me guiou foi o Elder e é muito bom ver que ele gosta mesmo do lugar que trabalha. Aproveite para perguntar à vontade!
A ordem da visita não importa muito, mas pode ser que seu passeio comece pela arte dos primeiros povos que habitaram Minas Gerais. Uma enorme fotografia de pinturas rupestres encontradas no Vale do Rio Peruaçu, no norte do estado, mostra os primórdios da arte em território mineiro, datada de cerca de 12 mil anos. Essas primeiras formas de expressão dos habitantes mineiros são retratos da vida e do cotidiano de então. Ver as pinturas originais, em enormes paredões, com certeza é ainda mais impressionante, mas, infelizmente, as Cavernas do Peruaçu ainda não são abertas ao público. O jeito é nos contentarmos, por enquanto, com o painel do Centro de Arte Popular. ;-)
Bem mais recente é a arte religiosa de Minas Gerais. A antiga pia batismal chama atenção à primeira vista. Sua origem já é poética: é um exemplo da arte da cantaria, uma forma de trabalhar a pedra manualmente e “fazer a pedra cantar”. Bonito, não? Mas a sala ainda é recheada de outros símbolos religiosos, como os ex-votos dos séculos XVIII e XIX, objetos oferecidos a um santo em sinal de agradecimento por um milagre alcançado. E não faltam esculturas de santos de madeira em diversos estilos para os quais os artistas conseguiram transportar uma variedade de sentimentos, do sofrimento à adoração.
O museu abriga uma das mais bem preservadas coleções de cerâmica saramenha do Brasil. A técnica de produção foi criada na Chácara Saramenha, próxima a Ouro Preto, no século XIX e recentemente esteve ameaçada de extinção, até que um projeto de preservação cultural a resgatou na cidade de Ouro Branco. As peças, usadas em comemorações ou no cotidiano, são feitas de barro escuro coberto por um verniz de pigmentos metálicos que, depois de queimado, dá seu tom vitrificado. Cada uma delas é única!
Um artista cuja história me impressionou foi Ulisses Pereira, o ceramista mais famoso do Vale do Jequitinhonha, onde as artesãs é que são maioria. Ulisses, que faleceu em 2006, aos 84 anos, aprendeu a arte com a mãe, que fazia parte de uma longa linhagem de paneleiras. Suas obras são carregadas de surrealismo e hoje estão expostas em diversos museus espalhados pelo Brasil. A maioria das peças mistura figuras humanas e animais. Dizem que essas figuras existiam de verdade na mente dele e às vezes apareciam para ele através de sonhos. Não sei de onde veio realmente sua inspiração, mas as obras de Ulisses são impressionantes!
Uma das exposições é dedicada às festividades de nosso povo. Nela estão expostos vários adereços utilizados em festas populares, como as cruzes da Festa de Santa Cruz, os tapetes de serragem das comemorações da Semana Santa e do Corpus Christi em Ouro Preto e os cartuchos de castanhas das procissões de São João del Rei.
A casa mineira, tão cheia de arte, também é representada. Vários utensílios de cozinha, como pilões e formas para queijo, tão típicos das nossas cozinhas de fazenda, resgatam um pouquinho da nossa história. E uma parede é recoberta por colchas de retalhos que contam as histórias de vida das Mariquinhas, um grupo de mulheres que vive na Vila Mariquinhas em moradias conquistadas à custa de muitas reivindicações. As famílias que lá vivem conquistaram a casa própria após acamparem durante meses em pontos da capital mineira no início da década de 90. Um dos palcos desse protesto foi o jardim da Igreja São José, no centro da cidade, onde mais de 300 famílias permaneceram por um mês. Não falei que o mais legal é conhecer a história por trás de cada peça exposta?
Se até aqui você ainda não se impressionou, duvido que conseguirá ficar imune à Sala Grandes Mestres. Se bem que, para apreciar mesmo as obras ali expostas, é preciso estar lá, ver de perto a riqueza de detalhes e a delicadeza das obras e sentir a emoção que elas transmitem. Alguns dos maiores destaques são as obras de Geraldo Teles de Oliveira, o GTO, um dos mais famosos escultores mineiros. Ele nasceu em Itapecerica, mas logo se mudou para Divinópolis. Viveu sempre de forma humilde. GTO faleceu em 1990 e deixou uma riquíssima produção artística. As figuras humanas formando mandalas são tema recorrente. Ele dizia que sonhava com as esculturas e então as criava, por isso é conhecido como “o escultor dos sonhos”. E quem pensa que ele desenvolveu esse dom ao longo da vida está enganado. Ele só começou a desenvolver essa arte após os 50 anos e foi sempre um autodidata. Para ele, sua obra era uma missão que lhe veio através de um sonho. E, olhando suas obras, quem é que duvida que realmente havia algo de divino?
É claro que uma das regiões culturalmente mais ricas de Minas Gerais não ficaria de fora. Há um espaço especial na Sala Grandes Mestres para o artesanato do Vale do Jequitinhonha. A tradição das bonequeiras começou nos anos 70 com Dona Isabel Mendes da Cunha, após aprender a manejar o barro com sua mãe, que era paneleira. Ela é ainda hoje, com quase 90 anos, a artesã mais famosa da região e continua criando suas maravilhas no vilarejo de Santana do Araçuaí. Ela repassou o conhecimento que desenvolveu e ajudou a formar diversos outros artesãos. Os bonecos representam principalmente noivas e noivos e mães com filhos. Incrivelmente todas as cores são extraídas do barro.
Noemisa Batista dos Santos é outra ceramista do Jequitinhonha. Ela também aprendeu o ofício com a mãe, mas nunca gostou de fazer utensílios de cozinha. Suas obras retratam o povo do Vale, seus costumes e cotidiano. As cores são simples (branco e vermelho, as cores da região), mas os detalhes das cenas são ricos.
São vários os artistas notáveis do Vale do Jequitinhonha e, apesar de usarem quase sempre a mesma técnica e a mesma matéria prima, cada um deles imprime seu toque pessoal e sua história nas peças que produz.
Gostaria de ter conhecido um pouco mais sobre a história por trás de cada peça exposta no Centro de Arte Popular, mas seria uma tarefa difícil, já que são dezenas de artistas e centenas de obras. O bom é saber que agora o artista popular mineiro tem um lugar de exposição e valorização de sua obra e a gente só pode torcer para que o acervo do museu fique cada vez maior!
A ARQUITETURA
O antigo Hospital São Tarcísio deu espaço ao Centro de Arte Popular – Cemig. O prédio foi projetado para uso residencial, em 1928, por Luiz Signorelli, um dos mais importantes arquitetos de BH no início do século passado. Seu estilo é eclético, o que quer dizer que mistura diferentes estilos arquitetônicos, como o clássico, o medieval e o barroco. Em 1946 o prédio recebeu o acréscimo de mais um pavimento e recentemente foi totalmente restaurado para integrar o Circuito Cultural Praça da Liberdade.
INFORMAÇÕES PRÁTICAS
Endereço: Rua Gonçalves Dias, 1608, Funcionários.
Telefone: (31) 3222-3231
Horário de Funcionamento:
- Às terças, quartas e sextas, das 10h às 19h
- Às quintas-feiras, das 12h às 21h
- Aos sábados e domingos, das 12h às 19h
Entrada: Gratuita
Fotografia: Infelizmente, não é permitida. *
Serviços: Guarda-volumes e loja na entrada do prédio.
Tempo de Visita: No mínimo uma hora.
Para ver tudo com mais calma e assistir aos vídeos, reserve umas duas horas. Para mais informações, visite o site do Circuito Cultural Praça da Liberdade.
* Como vocês devem ter percebido, é proibido fotografar, mas meu post está cheio de fotos. Tenho que agradecer à Angelina Gonçalves, Assessora de Comunicação da Superintendência de Museus e Artes Visuais, que é quem administra o Centro de Arte Popular – Cemig, pela viabilização da sessão de fotos. Todas as fotos aqui expostas são “Obras do Acervo do Centro de Arte Popular CEMIG/Superintendência de Museus e Artes Visuais/Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais”.
Para ver tudo o que já foi publicado sobre o Circuito Cultural Praça da Liberdade no Viaggiando, clique aqui.
Vão ter que dar um jeito de inserir este museu na programação do EncontroBH! Estou fazendo um trabalho sobre as bonecas do Vale do Jequitinhonha neste momento :)
Vamos separar um tempinho para os museus da praça, então já sei onde você estará ao meio-dia de domingo! =)
Obaaaaaa ! <3
Oi, Camila. Tudo bem?
Seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Natalie – Boia
Obrigada, Nati!!! Fico ainda mais feliz por ter sido selecionado o post de um lugar tao bacana, que eu faço questão de divulgar!
Beijos!
Ainda não conheço o espaço mas achei as fotos belíssimas!
Uma pena que não é permitido fotografar! :(
Lillian, é muito lindo mesmo! Aproveite para ir até o final do mês e curtir a exposição temporária, que também é ótima!
Eu juro que não entendo essas proibições de fotografia. Uma pena não poder divulgar essas belezas por aí!