198 Livros: França – As Lembranças

198 Livros - FrançaQuando vi que tinha sorteado a França como próximo destino literário, fiquei bem entusiasmada. A literatura francesa clássica influenciou escritores do mundo todo e é uma das minhas preferidas. De um país que nos brindou com Alexandre Dumas, Gustave Flaubert, Honoré de Balzac e Victor Hugo só poderia vir coisa boa! Pensei que minha escolha seria difícil, afinal, não faltariam opções, certo? Bom, era isso o que eu pensava até começar a pesquisar sobre literatura francesa contemporânea, mas a minha escolha acabou sendo complicada por outro motivo.

Aparentemente a literatura francesa já não é mais a mesma. Li vários textos falando sobre a “morte do romance francês”. Isso não quer dizer que não existam autores franceses escrevendo hoje, mas que o estilo literário mudou. Os romances, antes poderosas ferramentas de críticas sociais, se voltaram mais para o “eu”, principalmente nas décadas de 80 e 90. Nesse projeto, eu estou em busca de livros que retratem de alguma forma a cultura e a história dos países, para que seja uma leitura que me transporte ao seu lugar de origem e me ensine algo sobre o destino, mas eu não consegui descobrir um livro recente francês que se encaixasse nesse perfil. É claro que eu não estou dizendo que esse tipo de livro não exista, mas talvez não seja tão fácil encontrá-lo.

Admito que minhas pesquisas são superficiais, afinal, não seria possível conhecer a fundo o mercado editorial dos 198 países que eu irei ler. Sei também que minhas opções são mais restritas porque dependo das traduções. Se eu pudesse ler em francês (um dia chego lá!), a oferta seria muito mais rica, mas eu tenho que aceitar minhas limitações. Por outro lado, entender que a literatura do país tomou um novo rumo já significa aprender um pouco sobre ele. Com tudo isso em mente, resolvi encarar a pesquisa com outros olhos e procurar por um bom livro francês, independentemente do seu enfoque. Para isso, pedi ajuda a algumas blogueiras que moram na França e que também adoram ler: a Natalia, a Renata e a Mirelle. Com as sugestões delas, eu e as outras meninas que estão participando do projeto escolhemos o livro As Lembranças, de David Foenkinos. França - As Lembranças - David Foenkinos

David Foenkinos é um dos autores mais famosos da nova geração francesa e considerado também um dos melhores. Seus livros alcançam sucesso imediato e não só na França, pois são traduzidos para várias línguas. Em As Lembranças, o narrador (cujo nome eu acho que não é mencionado no livro) nos conta um pedaço de sua história, que começa com a morte de seu avô. A partir daí, ele começa uma série de reflexões a respeito da vida e da morte, dos momentos marcantes e às vezes silenciosos de sua vida. E é pensando no que ele gostaria de ter dito e não disse ao avô que ele começa a narração. Como a morte agora o impede de lhe dizer frente a frente as palavras perdidas, ele agora o faz através da escrita.

As Lembranças é um relato dos dramas cotidianos da vida do narrador. Ele trabalha à noite na recepção de um hotel para viver o ideal romântico de um escritor. Seus relacionamentos com o dono do hotel, com os pais e com a avó são o centro do enredo. É também uma busca pelo amor, mas não digo mais para não entregar a história! Os sentimentos são expostos de forma bem realista, mesmo aqueles que a gente geralmente não tem coragem de confessar. As diferenças entre as gerações da família estão sempre evidentes e muitas vezes ele se coloca no lugar da avó, se dando conta de que também irá envelhecer e que irá passar pelos mesmos problemas que ela. Ele diz que a Europa não tem nenhuma tradição a respeito de seus velhos e não sabe como lidar com eles. Por outro lado, ele acha que sua geração sofre pela ausência de ideais, mais ou menos como é retratado no livro da República Tcheca.

O livro nos faz muitas vezes questionar nossas próprias atitudes e a forma como lidamos com as pessoas que amamos, quase sempre nos esquecendo de que o amanhã não é certo. Apesar de abordar essas questões existenciais, a leitura é leve e divertida. É um daqueles livros que dá vontade de ler numa só sentada. Só que, como eu já imaginava, não é bem o que eu buscava no projeto. A história poderia se passar em qualquer lugar do mundo. Há poucas referências ao ambiente ao redor dos personagens. Até anotei algumas passagens em que ele de certa forma retrata os problemas sociais de Paris: uma em que ele diz que sua avó já não pode retirar dinheiro em um caixa eletrônico, pois há muitas agressões, e outra em que ele diz que a vida profissional tornara-se difícil e que mesmo os alunos brilhantes já não sabem o que fazer ao fim dos estudos. Mas acho que é só!

Como eu já disse, sei que minha impressão sobre a literatura francesa contemporânea pode ser fruto da falta de conhecimento, mas teremos uma fonte de informações bem mais completa a partir de agora! A Natalia, que escreve o blog Destino Provence, começou um projeto super legal: um ano lendo um livro francês por semana, clássicos ou contemporâneos. Eu vou acompanhar e espero descobrir através das leituras dela que eu estou enganada. ;-)

As Lembranças foi publicado originalmente em francês, em 2011, e em português em 2012, pela Editora Rocco. A tradução é de Carlos Nougué.

Mais alguns escritores franceses contemporâneos:

  • Martin Page
  • Justine Levy
  • Lorraine Fouchet
  • Gilles Legardinier
  • Eric-Emmanuel Schmitt
  • Anna Gavalda
  • Faïza Guène

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

24 Comments

  1. Oi Camila!
    Cheguei ao fim de mais um. O meu primeiro em papel. Estou desacostumada, queria tocar em algumas palavras que não conhecia pra ver significado no dicionário. Hehe
    Como já falei foi um livro que me fez pensar muito no meu avô, que se foi tem pouco tempo. Nossa! Demorei pra começar! Mais que demorei pra terminar.
    Eu acabei vendo alguns pontos da França nele até porque queria ver. E estou com vontade de ler “A delicadeza” sim, justamente pensando será que é melhor.
    Mas não que eu não tenha gostado! Gostei bastante!
    Beijo

    • Eu também estranho quando leio livros em papel agora! E quando é em inglês é ainda pior! Acabo deixando de verificar o significado de palavras que não conheço por pura preguiça.

      Entendo porque deve ter sido difícil prosseguir nessa leitura. Logo nas primeiras linhas ele já fala da morte do avô, né? E a história foca tanto nesse tema da perda… Mas se deu vontade de ler outro livro dele, não pode ter sido ruim! Eu acho que fiquei esperando demais, sabe? Só sei que não entrou na lista dos meus preferidos até agora.

  2. Lucimara Busch

    Camila, terminei o livro e fiquei por um bom tempo pensando em “perdas”. Bela reflexão!

    • Mas você se apaixonou pelo livro, Lucimara? Até agora parece que eu sou a única que não caiu de amores por David Foenkinos. rsrs

      • Lucimara Busch

        Infelizmente não Camila!rsrs Acho que meu terceiro olho não abriu. Eu li a opinião de muitas pessoas sobre ele, e eu não consegui enxergar. Achei uma história leve, de fato, depois de ter lido os outros autores, que sim, me emocionaram com algumas histórias, esse do David me fez ler tranquilamente, sem querer saber o final rsrs. Faltou alguma coisa sabe? Quanto às coisas que fiquei pensando, foi porque isso acontece com a gente..perdemos as pessoas, perdemos coisas, e isso me fez refletir. Nem fiquei com vontade de ver o filme A Indelicadeza… né? Você já viu?

  3. Wanessa Lima

    Camila, finalmente, venho deixar o comentário sobre o livro que li para representar a França: Coração Apertado, de Marie Ndiaye.

    Como o próprio nome já sugere, o livro é muito – MUITO – angustiante. Ele conta a história dos professores de ensino infantil Nadia e seu segundo marido, Ange. Já no começo do livro, Nadia e Ange estão muito amedrontados por uma ameaça silenciosa, uma hostilidade de que passaram a ser alvo, mas cuja causa nunca é revelada. Quase todas as pessoas parecem se voltar contra os dois – na verdade, contra Nadia, atingindo seu marido por tabela. Esse sentimento chega à violência física e, quando Ange é esfaqueado, decide não procurar assistência, porque acredita que o médico vai matá-lo ao invés de tratar de seu ferimento. Nesse momento, a única ajuda com que contam é de um vizinho, que antes Nadia e Ange desprezavam, também sem uma causa aparente.

    A descrição do livro no próprio site da editora Cosac Naify o compara com as
    obras de Kafka, pelo tom opressivo e pela narrativa do absurdo, e acho que essa comparação é inevitável. Em Coração Apertado, tudo leva a crer que a causa das ameaças a Nadia está ligada à sua origem social ou étnica – a origem da própria escritora, francesa filha de pai senegalês, já induz a pensar que a questão étnica tem alguma relevância na história –, mas como a narrativa é em primeira pessoa, nós nunca chegamos a saber se tudo de fato aconteceu ou se era fruto da mentalidade doente de Nadia, e a forma um pouco súbita como o livro termina só reforçou em mim essa impressão.

    Acho que, assim como o livro que você escolheu, Camila, Coração Apertado também não retrata diretamente a França, mas essas questões sugeridas – a possível causa das hostilidades, seja ela a diferença social ou étnica – e o isolamento dos personagens, que fazem questão de não ter laços familiares ou de amizade, são representativos do país hoje. Sobre esse último ponto, me lembrei do filme que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, Amor, que mostra o grau de isolamento em que vivem as pessoas na França atualmente.

    • Nossa, Wanessa, só pela sua descrição já fiquei mesmo com o coração apertado. Que agonia!

      Bom, não encontramos o livro que representasse a França de hoje como a gente queria, mas com um livro aqui, outro ali, a gente vai montando uma colcha de retalhos da situação atual. Não assisti Amor (estou tão desatualizada do cinema contemporâneo atualmente!), mas agora fiquei curiosa!

      • Wanessa Lima

        Coração Apertado é tão incômodo que, quando eu ia ler, já pegava o livro com um certo receio, como quando a gente vai assistir a um filme de terror, sabe?
        Veja Amor, sim, Camila, é um filme avassalador!

    • Carla Portilho

      Wanessa, fiquei como a Camila, angustiada só de ler o seu relato… Esse romance me fez pensar em Kafka mesmo!

      Meninas, acho que, quando chegar à França, eu vou me demorar por lá um pouquinho mais… Escolhi ler As Lembranças, mas essa semana não resisti e comprei na Estante Virtual o Amanhã Numa Boa, da Faïza Guène, que era uma outra opção quando estávamos escolhendo o romance francês – e estou pensando em ler os dois…

  4. As opções de literatura francesa são realmente enormes, mas como você disse nem tudo aparece no Brasil, tem muita coisa que fica só na França e países de língua francesa. Já eu prefiro ficar ancorada no passado e leio poucos livros que são novidades. Por exemplo, os lançamentos deste ano certamente lerei daqui alguns anos!!! (tentei deixar o comentário ligado ao facebook ou google, mas o disqus pede tanta confirmação que desisti!)

    • Milena, eu sempre preferi os livros clássicos, mas nesse projeto eu decidi ler livros contemporâneos para ter uma idéia da sociedade atual dos países. Está sendo uma novidade para mim, mas também uma experiência interessante, até mesmo para eu sair da minha zona de conforto.

  5. Carla Portilho

    Acredito que, ao longo do projeto, de vez em quando a gente vai ver que a escolha não se encaixou tão bem… Mas, como você disse, Camila, vamos pesquisando do jeito que dá – e, mesmo que o romance não seja o ideal para o projeto, ainda assim descobrimos bons autores que não conhecíamos antes…

    Eu ainda estou em Dubai – como diz a Ana Luiza, “agarrada com Noora”, rsrsrsrs… (Aliás, minto – essa semana me transportei para a Inglaterra elisabetana e estou agarrada é com Shakespeare!) Ainda vou passear pela Tunísia, pela Argentina e pela Bósnia – ou seja, vou demorar um pouquinho para aportar na França. Mas já estou considerando com carinho a possibilidade de ler mais de um romance francês, pra tentar montar melhor esse panorama…

    • Acho que num país como a França, que tem um histórico literário forte e um mercado editorial bem ativo, a escolha é ainda mais difícil, porque a gente espera muito do livro. Tenho certeza de que com mais um pouco de pesquisa a gente descobriria opções que se encaixassem melhor no projeto.

  6. Foenkinos me fez suspirar, rir, chorar, me revoltou. Tudo isso num livro só, que chegou ao Brasil somente em versão cinematográfica, mas não tem problema: o roteiro é do próprio autor, e os atores principais são duas feras francesas – Audrey Tautou e François Damien.

    Foi através da pluma de Foenkinos que comecei a sentir em francês: aprendizado de idioma também passa pelas emoções, acredito que seja mesmo parte crucial pra consolidar a língua. Além disso, era mundo além de Flaubert, Hugo e Dumas que se revelou pra mim.

    Este ano, foram 555 lançamentos de “inicio de ano literario”, que acontecem sempre em setembro; ano passado, foram 91 livros a mais. Realmente é um exercicio complexo o de pesquisar o mercado editorial, com tanta oferta e estando fora do país – uma coisa que me ajuda são os programas de tv, os jornais, os sites especializados.

    Fico feliz com a escolha do livro, e agradeço imensamente a menção ao meu singelo projetinho!

  7. Wanessa Lima

    Camila, eu votei no Foenkinos, mas acabei comprando outro (Coração Apertado, de Marie Ndiaye), porque encontrei numa livraria daqui mesmo. Comprei pensando ser um livro sobre o qual vocês tinham comentado no Facebook, mas agora fui conferir lá e o que vocês falaram era de Faïza Guène. Marie Ndiaye é filha de uma francesa e um senegalês e cresceu em Paris. Depois conto aqui o que achei.

    • Wanessa, dentre os livros que eu pesquisei, acho que o da Faïza Guène é o que mais retrata o contexto social. Em qual país você está agora? Vou querer saber sua opinião sobre o seu livro francês!

      • Wanessa Lima

        Estou lendo o da Bósnia, do meio para o fim do livro. Quando terminar o da França, deixo minha opinião aqui.

  8. Renata Inforzato

    OI Camila, o Louise et Juliette mostra bem Paris, mas é uma Paris da guerra, ocupada e dividida. Mas a escritora, Catherine Servan-Schreiber, é contemporânea e francesa. Ela conta a história da sua família, embora os nomes dos personagens tenham sido trocados. Mas acho que só tem em francês e inglês. beijão e obrigada pela citação.

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