198 Livros: Malásia – Evening is the Whole Day

198 Livros - Malásia A escolha dos livros desse projeto é sempre complicada. Quando há escassez de opções, é preciso quebrar a cabeça para descobrir um livro traduzido e depois para fazê-lo chegar ao Brasil. Se a oferta é grande, a dificuldade é para escolher um único título. Foi esse o caso da Malásia. Descobri muitos livros malaios, muito mais do que eu imaginava, e ainda por cima disponíveis para kindle. Quando isso acontece, o jeito é estabelecer um filtro. Eu já privilegio romances ficcionais contemporâneos e dessa vez pude colocar mais uma exigência: que o livro fosse escrito por uma mulher.

Começou a me incomodar o fato de que os autores do sexo masculino dominam o mercado editorial no mundo todo. E essa situação já se reflete no #198livros. Dos 11 lidos até então, apenas 2 tinham tinham sido escritos por mulheres. Era hora de mudar esse cenário! A dúvida foi entre The Rice Mother, da escritora Rani Manicka, e Evening is the Whole Day, de Preeta Samarasan. Ambos pareciam boas opções, mas o segundo acabou sendo escolhido por retratar um período mais recente da história malaia. E foi assim que Evening is the Whole Day (publicado no Brasil como Noite é o Dia Todo) tornou-se o 12º livro da nossa volta ao mundo através da leitura.

Confesso que não foi amor à primeira vista, ou melhor, às primeiras páginas. Foi a única vez que Evening is the Whole Day - Preeta Samarasanpensei em abandonar um livro nesse projeto até agora. E olha que eu só larguei dois livros no meio do caminho em toda minha vida! Para mim, a história demorou a se desenrolar. Até mais ou menos a metade do livro, eu não consegui sentir empatia pelos personagens ou me envolver com eles. Acho que o grande problema é a forma como os capítulos são dispostos. No início, eles são aleatórios, cada um contando sobre uma data específica, com diferenças de décadas ou até de séculos. Depois eles começam a seguir uma ordem cronológica inversa. O primeiro capítulo é o que nos traz os acontecimentos mais recentes. Provavelmente intenção da autora era nos deixar curiosos à medida em que ela nos desvenda os segredos aos poucos, mas em mim o efeito foi outro. Não conhecer a origem da situação atual, em vez de me deixar intrigada, fez com que faltasse uma conexão com os personagens e até mesmo motivos para amá-los ou odiá-los. A leitura no início não fluía, mas insisti, na esperança de que algo mudasse. E isso realmente aconteceu. Demorou, mas chegou uma hora em que as emoções me arrebataram.

Evening is the Whole Day conta a história de uma família rica de origem indiana que vive em Ipoh, na Península da Malásia, mas que sequer fala a língua malaia. O pano de fundo político são os conflitos étnicos entre chineses e malaios que existem até hoje, mas o mais marcante são os conflitos familiares. Raju é o pai da família, um idealista que tem os sonhos desfeitos e transforma-se em uma pessoa distante. Sua esposa, Vasanthi, é uma mulher amargurada que busca refúgio na vida social e nunca soube como lidar com os filhos. Uma, Suresh e Aasha são os frutos dessa união, crianças brilhantes que precisam aprender a viver sem o afeto dos pais. Há ainda Paati, a mãe de Raju, e Chellam, a empregada que está de partida da casa. Nas primeiras páginas já descobrimos que a primeira está morta e que a segunda irá morrer em breve. Os motivos da morte de Paati e da demissão de Chellam são o tema do livro, uma sucessão de desentendimentos e mentiras que envolvem toda a família.

Cada membro dessa família carrega suas dores, mas é insensível às dores do outro. A casa é cheia, mas todos vivem numa completa solidão. Vemos uma sequência de erros, ilusões desfeitas e injustiças. Não há confiança e muito menos perdão. Nenhum personagem é perfeito ou isento de culpa, mas somos capazes de entender muitas atitudes quando conhecemos seu passado. Demorei para me envolver, mas depois as mágoas de cada um me tocaram profundamente e então o livro virou um daqueles nos quais pensamos o tempo todo. Mesmo agora, duas semanas depois, meu coração ainda fica apertado quando penso nele. Acho que vale a pena dar uma chance e ignorar o início arrastado para se emocionar com essa história.

Evening is the Whole Day foi publicado originalmente em inglês pela Houghton Mifflin Harcourt, em 2008.  Ele foi publicado no Brasil pela Editora Rocco com o título Noite é o Dia Todo.

Mais alguns livros de autores malaios:

  • The Rice Mother, Rani Manicka
  • The Gift of Rain, Tan Twan Eng
  • The Garden of Evening Mists, Tan Twan Eng

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

19 Comments

  1. Camila, descobri esses dias que já foi publicado no Brasil! 🙂

    • Camila Navarro

      João, eu sabia disso, a Lucimara até leu em português, mas acho que esqueci de atualizar o post. Vou fazer isso agora, obrigada por me avisar! Você leu o livro? O que achou?

      • Ainda não, mas tenho feito umas pesquisas para fazer também essa volta ao mundo!

        • Camila Navarro

          Que boa notícia, João! Espero que você embarque mesmo! Só tem mulher me acompanhando nessa jornada, tá faltando participação masculina. =)

  2. Foi publicado no Brasil pela Rocco, Camila!

  3. Lucimara Busch

    Camila, achei triste! Fiquei querendo saber mais sobre os personagens também, e principalmente gostaria que o Tio aparecesse mais na história. Me partiu o coração a parte que a Chellam queria guardar o dinheiro para a “conta óculos”. Na primeira parte tive raiva do pai da Vasanthi. E fiquei um pouco impressionada com o estilo de vida da família, de toda a fachada que havia, as intrigas, enfim..

  4. Lucimara Busch

    Camila, esse eu peguei em português, porque leio bem mais rápido, e aliás, os de inglês estão ficando por último rsrs

  5. Wanessa Lima

    Camila, como sempre, você tira leite de pedra! Mesmo com tudo o que já ouvi sobre o livro, sua resenha despertou minha curiosidade por ele. Prometo me esforçar!

  6. Linda resenha, Camila! Fiquei triste por não ter sentido simpatia por nenhum personagem, mas, sem dúvida, eles foram bem construídos e tem lá os seus motivos para serem do jeito que são. Me pareceu, também, que algumas palavras e construções do inglês são características do grupo retratado. Vamos ver o que a Carla acha.

    • Carla Portilho

      Meninas, eu estou numa curiosidade louca para chegar nesses livros “mais adiantados” (rsrsrsrs…) por onde vocês já estão passando, mas vou demorar pra chegar lá…

      Eu era feliz e não sabia, dando conta de 2 livros da VAM por mês… Outubro me pegou de jeito e estou com 3 peças de teatro e 2 romances acumulados, lendo tudo ao mesmo tempo agora…

    • Lu, na segunda metade do livro eu consegui gostar de alguns personagens. Só não gostei da forma com que a história foi mostrada. Acho que uma inversão na ordem dos capítulos faria uma grande diferença!

      ***SPOILERS***

      Os personagens de que mais gostei foram o Suresh, ainda tão criança e tendo que ser tão adulto, e o tio deles, o que tem o coração maior nessa história, mas é tão mal-interpretado. Deu para entender a posição da Uma após sabermos o que aconteceu, mas acho que os irmãos não tinham culpa, né? Só não consegui gostar de Aasha. Tive dó dela, mas será que uma criança de apenas 6 anos seria tão ardilosa?

      Mesmo sabendo o final da história, fiquei o tempo todo torcendo para que as coisas fossem diferentes, sabe? Meu coração doeu quando li sobre a chegada de Chellam e as esperanças de todos naquele momento. Para mim foi o livro dos “se”. Se a nova família não tivesse entregado o salário de Chellam ao pai dela, se Raju tivesse pedido desculpas a Uma, se Chellam não tivesse deixado Paati sozinha no banho… Poderia ter sido tudo tão diferente!

      • Ah,Camila, se eu fosse escritora ia querer que você resenhasse meus livros :-)
        Ok, você tem razão, os dois personagens citados até que são ok. Por outro lado, você não acha que a autora deu pouco destaque a eles?
        Bjs
        PS: Estou precisando ler um livro com um final estupidamente feliz. Temos algum na lista?

        • Acho que eu tenho essa mania de tentar ver o lado bom das coisas, Lu! :-)

          Realmente eles tiveram pouco destaque. Queria ter conhecido mais Suresh e Uma, principalmente o que eles sentiam. Acho que só conhecemos os sentimentos verdadeiros de Aasha.

          Estupidamente feliz? Acho que até agora nenhum viu? Já cheguei à conclusão de que a maioria dos bons livros têm finais tristes…

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