198 Livros: Bulgária – Streets without a Name

198 LivrosAlguns temas serão recorrentes durante a trajetória do 198 Livros: guerras, colonialismo, xenofobia, ditaduras, nazismo, conflitos religiosos… A verdade é que nossa história recente é cheia de fatos vergonhosos. E eles não ficaram só no passado, mas ocorrem ainda hoje mundo afora. Um mundo que, infelizmente, está longe de ser harmonioso (já leram o post sobre os conflitos no Saara Ocidental?). A história se repete e há uma eterna busca pelo poder. O que sempre vemos é uma dominação dos mais fracos pelos mais fortes, mesmo que as peças do jogo não sejam sempre as mesmas.

Se tivéssemos que apontar os protagonistas desse cenário nos últimos séculos, com certeza a Rússia não ficaria de fora. Acho que ainda não conseguimos avaliar com clareza os impactos da existência ou do colapso da União Soviética, em 1991. Pensei muito nisso ao ver o resultado de uma pesquisa recente da Gallup que mostra que a maioria dos habitantes das ex-repúblicas consideram que o fim da URSS foi mais prejudicial do que benéfica para seus países. Essa história ainda está sendo escrita, mas não dá para negar que a influência soviética foi muito além de suas fronteiras formais.

A relação da Bulgária com a Rússia é antiga e ficou ainda mais forte quando, em 1878, o exército russo libertou a Bulgária do domínio Otomano que já se arrastava por cinco séculos. Uma série de conflitos marcou o início do século seguinte naquela região, mas no período pós-guerra a Bulgária se aliou novamente à Rússia e ficou sob influência da URSS. De 1946 a 1990, o Partido Comunista Búlgaro controlou o país. E é o final desse período que Kapka Kassabova retrata em Street Without a Name. Street Without a Name - Kapka Kassabova

Street Without a Name é muito mais do que um relato histórico. Kapka viveu em Sofia, capital da Bulgária, até os 17 anos, quando então sua família se mudou do país, já no final do regime comunista. Ela consegue contar de uma forma bem humorada como foi crescer num regime socialista em que pessoas e ruas são identificados por números. Ela diz que as pessoas “comuns” eram obrigadas a viver apertadas em complexos residenciais sem personalidade, tendo cotas para se adquirir qualquer produto e vendo A Escrava Isaura numa TV antiga (isso quando não ocorriam as frequentes quedas de energia). É através dos encontros com amigos estrangeiros dos pais que Kapka começa a perceber que o mundo não é todo como a Bulgária e mais tarde ela entende que uma cortina invisível os separava do que o governo tanto temia: o capitalismo.

Depois de quase 20 anos morando em diversos países, Kapka retorna à Bulgária e aí a leitura fica ainda interessante. Ela nos mostra um país que enfrenta várias dificuldades e que ainda não se encontrou no regime democrático. Street Without a Name acaba tornando-se também um diário de viagem e junto com Kapka nós percorremos o interior da Bulgária. O livro é um verdadeiro guia de viagem, uma ótima fonte de inspiração para quem planeja visitar o país. Conhecemos seus pontos turísticos, mas também aprendemos mais sobre sua cultura e a história.

Como Kapka ressalta ao longo do livro, A Bulgária é bem desconhecida aos olhos do mundo. Eu confesso que não sabia quase nada sobre o país. Eu não imaginava, por exemplo, que, apesar de terem sido aliados da Alemanha nazista, os búlgaros conseguiram evitar a deportação dos judeus que viviam em seu território. Ou que na década de 80 grande parte da minoria étnica de origem turca foi obrigada a se exilar na Turquia por não se submeter ao processo de “assimilação” imposto pelo governo que incluía até mesmo a alteração dos nomes, numa tentativa de expurgar os traços muçulmanos do país. Kapka pode ficar orgulhosa, pois ela conseguiu tirar o país da obscuridade, pelo menos para seus leitores. E ela fez um ótimo trabalho. Depois de ler os livros da Bulgária e da Bósnia e Herzegovina para o projeto, eu estou bem tentada a fazer um roteiro pelo Leste Europeu nas minhas próximas férias.

Street Without a Name: Childhood and Other Misadventures in Bulgária foi publicado originalmente em inglês pela Portobello Books, em 2008.

Mais alguns livros de autores búlgaros:

  • Auto de Fé, Elias Canetti
  • O colecionador de Mundos, Ilija Trojanow
  • Contos de Tenetz, Yordan Radichkov

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

10 Comments

  1. Desbravando Madrid

    Comecei a ler este livro quando decidi que iria viajar para a Bulgária para uma semana de férias no país!
    Gostei bastante do livro e enquanto estive em Sofia andei à procura dos lugares que a autora falava e visitei muitos deles! Foi bem divertido estar no país e ler sobre ele.
    Na próxima viagem tentarei fazer o mesmo: começar a ler o livro sobre o país para onde vou pouco antes de partir.
    Por curiosidade, acabei-o na ultima viagem de ônibus para Sofia antes de voltar a Espanha :D

    • Também adoro ler o livro do país antes da viagem e nesse caso é ainda mais legal porque o livro fala de vários lugares na Bulgária, né? Na verdade foi ele que me fez planejar uma viagem para lá! =)

  2. A novela A Escrava Isaura fez muito sucesso no mundo todo. Nos Bálcãs, ambos soldados inimigos paravam a guerra para assistir a novela todos os dias. Uma vez eu vi uma entrevista a uma velha russa, em que o repórter perguntou o que ela achava do Brasil, e ela respondeu: Novela Brasil, veri gud!

    • Já vi referências às novelas brasileiras em outros livros e acho que de A Escrava Isaura mais de uma vez. São os maiores disseminadores da nossa cultura! E tá hoje as novelas brasileiras fazem sucesso mundo afora!

  3. Quando você vai fazer um post detalhando seu roteiro pela Bulgária? Estou planejando uma viagem para lá e suas dicas sempre me ajudam. E boa viagem desde já!

    • Samantha, vou sim, mas só depois que voltar, porque às vezes uma coisa ou outra é alterada durante a viagem, né? Mas no meu roteiro estão Sofia, Monastério de Rila, Varna, Plovdiv e Veliko Tarnovo. Fica de olho no instagram que eu embarco amanhã! :-)

  4. Camila, descobri seu blog por acaso no RBBV e gostei (AMEI) muitão daqui. Você escreve muito bem mesmo. Tenho devorado, com muito gosto, os posts de vocês sobre os diversos destinos (que lindos aqueles posts sobre o Leste Europeu, ganhei outra visão sobre aqueles países!!). Que organização, que sensibilidade para entender cada lugar, a história de cada pedaço desse mundo… Agora estou lendo seus posts sobre Portugal, pois tenho organizado minha viagem em família para lá… voltaremos às origens, vai ser muito bom. Obrigado pelas dicas valiosas, estão me ajudando bastante!! Amei ainda mais quando vi os posts da sua série 198 livros. O primeiro que li foi sobre a Bulgária, que é um país que me interessa bastante porque conheço uma pessoa que é de lá. Quando li sua descrição do livro corri para a Play Store comprar ele. Comecei a ler e me tocou bastante, a sinceridade e bom humor da autora é demais. Ótima escolha (ótimas escolhas de livros por sinal) Dei uma lida em mais alguns posts e já me apaixonei profundamente pela série. Acho que de agora em diante vou ter uma lista de 198 livros para ler!!! Começarei pela Bulgária, mas com certeza acatarei todas as suas dicas. Obrigado mesmo pelas dicas dos lugares, pelas fotos que dão vontade de correr para cada lugar, e pelas dicas de livros!!

    • Gustavo, você não imagina como seu comentário me deixou feliz! A maioria das pessoas entra num blog, lê o que interessa e vai embora, mas você ficou e entendeu bem a proposta do blog. Espero que volte mais vezes! E ainda tenho muita coisa para contar sobre Portugal aqui!

      Quanto ao 198 livros, junte-se a nós! Essa viagem ainda está no começo e há muito livro pela frente! Você pode ir no seu tempo, sem pressa. Depois volte para me contar se gostou do livro da Bulgária até o final. :-)

  5. Camila, estou animada para ler esse livro, mas ainda não cheguei lá (ou cheguei e tive que pular, não lembro)!
    A questão do impacto da antiga URSS no mundo é um assunto bem interessante e, sem dúvida, essa história ainda está sendo escrita.

    • Lu, gostei muito do livro! É uma mistura de informações cotidianas, históricas e de viagem com um toque de humor. Fiquei mesmo com vontade de conhecer a Bulgária!

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