Os livros que melhor se encaixam na proposta dessa volta ao mundo da literatura são aqueles que conseguem unir um enredo envolvente e informações preciosas sobre o país. Nem todos que li até agora cumprem bem essa função. O livro da França, por exemplo, foi uma leitura gostosa, mas a história poderia se passar em qualquer lugar do mundo. O do Uzbequistão foi uma leitura riquíssima, mas não é um livro de recreação. O ideal é ter a a chance de aprender um pouco sobre a cultura e/ou história do país sem nem ver o tempo passar e foi isso que aconteceu enquanto li Paradise of the Blind, da escritora Duong Thu Huong.
Paradise of the Blind é narrado por Hang, uma jovem vietnamita que trabalha em uma fábrica de tecidos na Rússia na vigência da extinta União Soviética. Tudo começa quando ela se prepara para ir a Moscou visitar o tio que está doente. A partir daí nós voltamos no tempo com ela para conhecer sua história, a de sua mãe (Que) e a de sua tia (Tam). Os fatos do presente são intercalados com as lembranças do passado e, à medida em que vamos conhecendo a vida de Hang, não entendemos como ela foi acabar na Rússia vivendo de forma miserável em um dormitório de operários. Apesar de já saber onde tudo iria terminar, fiquei torcendo por um futuro melhor para Hang e me entristeci pensando que por pouco a vida dela não poderia ter sido diferente.
Paradise of the Blind é um retrato brilhante da periferia de Hanói e dos vilarejos no norte do Vietnã. Enquanto nos conta a história de Hang, Duong Thu Huong nos apresenta detalhes da cultura do país através do cotidiano de pessoas comuns. É impossível não se comover com as dificuldades que esse povo enfrenta todos os dias para sobreviver. Não consegui ficar indiferente à rotina das vendedoras de rua, mulheres que eu via a todo momento nas ruas de Hanói. Conhecer a realidade dessas pessoas nos faz olhar para elas com outros olhos.
A vida de Hang, Que e Tam não foi fácil. A irresponsável reforma agrária promovida pelo governo comunista na década de 50 na República Democrática do Vietname (o Vietnã do Norte) deixou consequências marcantes e irreversíveis na vida dessas três mulheres. A tal reforma foi tão desastrosa que foi logo seguida por uma campanha de “Retificação de Erros”. A terra foi devolvida aos pequenos proprietários que haviam sido erroneamente classificados como latifundiários, mas já era tarde demais para desfazer certos erros que mudaram para sempre a vida das protagonistas e com certeza a de muitos vietnamitas que viveram nessa época.
A comida é assunto recorrente no livro, por isso não leiam quando estiverem com fome! Os pratos são descritos em detalhes e a preparação das refeições segue um verdadeiro ritual. Enquanto eu lia, parecia que eu conseguia sentir até o cheiro das frutas, das sopas, dos rolinhos de legumes, das ervas… Fiquei ainda mais feliz por ter feito o tour gastronômico em Hanói e por ter conhecido um pouco dessa cultura da qual os vietnamitas se orgulham. E com toda razão!
Através do tio de Hang conhecemos também um pouco dos bastidores do Partido Comunista do Vietnã, da qual ele faz parte. Duong Thu Huong fala com a propriedade de quem também fez parte desse mundo. 40 mil cópias de Paradise of the Blind foram vendidas antes que seus livros fossem censurados e retirados de circulação no país, em 1988. Duong se desiludiu com o Partido Comunista e acabou sendo expulsa dele por seus “ideais revolucionários”. Em 1991 ela chegou a passar 7 meses na prisão, tendo sido considerada uma prisioneira política pelas organizações de direitos humanos. Mas o livro é muito mais do que uma crítica ao governo. Para mim ele é uma linda homenagem ao povo vietnamita. Recomendo a todos que queiram conhecer um pouco desse país que o mundo todo parece associar apenas à Guerra do Vietnã, ou melhor, à Guerra Americana, como ela é conhecida por lá. Um livro triste, mas belíssimo.
Paradise of the Blind foi publicado originalmente em vietnamita, em 1988, e em inglês em 1993, pela editora William Morrow. A tradução é de Phan Huy Duong e Nina McPherson.
Mais alguns livros de autores vietnamitas:
- The Sorrow of War, Bao Ninh
- No Zênite, Duong Thu Huong
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Boa tarde alguém pode me ajudar procuro um livro sobre o Vietnã em inglês, em sua capa ha um soldado e mas aparece mais o capacete dele, além disso a capa e camuflada, não me lembro o nome alguém pode me ajudar? E um livro pequeno todo em inglês
Que difícil, Anderson! Dei uma olhada nas imagens do Google e o mais perto da sua descrição que encontrei foi Ghost Soldiers. Será esse? Boa sorte na procura!
Cá, adoro como vc consegue falar sobre o livro sem entregar toda história. pareceu-me mesmo incrivel!
Confesso que esta é a parte mais difícil, Helô: tentar passar a essência do livro sem contar os fatos mais marcantes. Às vezes acho que não vou conseguir “convencer” alguém de que um livro é bom assim, sabe? Fico feliz quando alguém fica com vontade de ler um dos livros de que gostei. :-)
Gostei muito do livro, apesar de ficar bastante irritada com “Que” em algumas passagens. ;-)
***SPOILERS***
Eu também, Lu! Fiquei foi com raiva do quanto Hang sofreu por causa das atitudes da mãe. Ela acabou descontando as frustrações na filha e ainda a deixou de lado por causa do irmão que foi o culpado pela maioria das tristezas da família. Mas acabou que a Hang depois manteve um pouco dessa herança ao continuar ajudando o tio em Moscou, né? Ela fazia isso pela mãe, mas no fim das contas os laços de sangue eram muito fortes.
Que maravilha Camila, mal posso esperar para chegar logo no Vietnã, pois tudo que conheço sobre o pais, é que foi palco de uma das guerras mais absurdas do mundo!
Ana Luiza, pelos livros que você tem gostado agora, tenho certeza de que você irá adorar esse do Vietnã!
Você tinha razão Camila, adorei o livro apesar de ficar morrendo de raiva da mãe! Como é que pode uma pessoa ser tão subserviente ao ponto de prejudicar a própria filha! E agora, entendo porque você fez o tour gastronômico! Fiquei morrendo de vontade de experimentar as comidas de lá!
Ana Luiza, esse livro dá uma fome, não dá? Eu ficava só imaginando os cheiros e sabores!
Quanto à mãe, dá muita raiva mesmo! A história seria toda diferente se ela tivesse apoiado a filha, que parecia ter um futuro bem mais promissor. Mas aí seria outro livro. ;-)
Eh verdade, dá uma fome mesmo, e você experimentou alguma daquelas comidas?
Algumas, Ana. E os rolinhos de legumes foram os melhores! Me dá água na boca só de pensar neles!