Quase todas as escolhas de livros foram difíceis até agora. A exceção só ocorre quando o país me apresenta uma única opção de leitura, de preferência fácil de ser encontrada, como foi o caso de Omã. Quando há muitos livros que parecem ser bons, eu sofro para escolher um só e deixar todos os outros de fora. O que eu não esperava era que um país pudesse ser difícil não por falta de opções ou porque eu queria ler vários livros de lá, mas porque nenhum deles me atraia. Foi o que aconteceu com a França e agora com a Áustria. Não que eu seu seja tão exigente, mas o #198livros tem uma proposta. Minha intenção com esse projeto é tentar aprender um pouco sobre a cultura e a história de cada país e nem todo livro, por melhor que seja, cumpre esse requisito.
Tenho a impressão de que os escritores dos países com uma história recente conturbada estão mais preocupados em expor os pormenores de sua cultura do que os dos países mais estáveis, política e economicamente. Crises parecem ser um excelente combustível para a literatura. Isso não quer dizer que na estabilidade não surjam obras primas, mas talvez na ausência de conflitos os escritores se voltem menos para o social e mais para o eu. Pode ser que eu esteja falando bobagem, mas vocês sabem que eu não sou nenhuma especialista em literatura, né? Vamos ver se essas minhas idéias irão se confirmar até o final do #198livros!
Mas voltemos à Áustria! Até descobri muitos exemplos de literatura austríaca contemporânea, vários deles publicados no Brasil, mas nenhum com a temática que eu procurava. Já meio sem saídas, resolvi enfrentar um dos autores mais famosos do país na segunda metade do século passado: Thomas Bernhard. E eu digo enfrentar porque suas obras não pareciam ser muito fáceis. Para facilitar minha tarefa, olhei quais de seus livros estavam disponíveis na Biblioteca Pública e escolhi a partir daí. Eu tinha algumas opções, mas o que me fez decidir a ler O Náufrago foi um post de Antônio Xerxenesky no blog do Instituto Moreira Salles sobre Thomas Bernhard, especialmente o seguinte parágrafo:
“O náufrago pode ser um bom ponto de partida para pensar as complexas teias de relação traçadas por Bernhard. Publicado em 1983, é um resumo perfeito dos temas do autor, e um livro que não cai em excessos nem se torna exaustivo. A primeira página do romance já parece demonstrar todas as suas marcas autorais.”
E O Náufrago é um livro pequenininho (144 páginas na última edição publicada pela Companhia das Letras), então, pelo menos o suplício não seria longo caso eu não gostasse. Está parecendo que eu tinha medo de Thomas Bernhard, né? E tinha mesmo! Mas até que a experiência não foi complicada.
O Náufrago conta a história de três pianistas: o narrador, seu amigo Wertheimer e o canadense Glenn Gould. Eu confesso meu analfabetismo musical e pode até ser que algumas pessoas não me perdoem ao saber que eu só descobri a existência de Glenn Gould através do livro! Cheguei ao final da leitura ainda achando que Glenn Gould era um personagem fictício e só então descobri que se tratava de dos maiores gênios do piano do século XX, famoso por sua interpretação das Variações Goldberg, de Bach.
Os três amigos se conhecem em 1953 durante um curso em Salzburgo com o pianista Vladimir Horowitz (que eu também não sabia que era real, é claro). Esse encontro mudou para sempre a vida dos três, ou pelo menos a do narrador e de Wertheimer, que descobrem que nunca serão virtuoses do piano no momento em que ouvem Glenn Gould tocar as Variações Goldberg. Eles foram aniquilados pela genialidade de Glenn. Foi aí que começou o naufrágio de Wertheimer, o náufrago dessa história, e também a do narrador, apesar de ele se colocar em uma posição superior à de Wertheimer.
No momento da narração, Glenn Gould está morto há alguns anos e Wertheimer acaba de se suicidar. Quase todo o livro se desenrola na recepção de uma pousada em que o narrador se encontra, ou melhor, na sua cabeça enquanto ele espera pela dona da pousada. Num breve espaço de tempo em que tudo o que ele faz é colocar a mala no chão, ele repassa toda a vida dos três amigos desde que se conheceram. A sequência dos fatos às vezes é confusa, pois o narrador segue o fluxo de seu pensamento, mas a ordem cronológica dos acontecimentos não é o mais importante do enredo e não prejudica sua essência, pelo contrário, isso até o caracteriza.
O Náufrago não foi tão difícil de ler como eu imaginava, apesar de sua estrutura nem um pouco convencional. O livro é composto de apenas quatro parágrafos: três curtos na primeira página e um quarto parágrafo que segue até o final da narração. Não há pausas, não há uma sequência lógica, não há respiros, mas a leitura flui. O que me incomodou mesmo foi o tom do livro, extremamente pessimista. Essa parece ser uma característica marcante de Thomas Bernhard, mas não me agradou muito. Sabe aquele colega que reclama de tudo e só fala em doença? Pra mim é a mesma coisa! O narrador passa as 144 páginas falando mal de tudo e de todos: de Wertheimer, da pousada, dos professores, das pessoas na rua… Quer dizer, de tudo não, só do que é austríaco, pois em Portugal ou na Suíça é tudo lindo. É muito negativismo pro meu gosto! E não é uma boa propaganda do país não! Quem é que vai querer conhecer a Áustria depois de ler Thomas Bernhard?
O Náufrago foi publicado originalmente em 1983, e no Brasil em 1996, pela Companhia das Letras. A tradução é de Sergio Tellaroli.
Mais alguns livros de autores austríacos:
- Desejos secretos, Diana Voig
- A Pianista, Elfriede Jelinek
- Jó, Joseph Roth
- Fanny von Arnstein, Hilde Spiel
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Bom, pelo que falamos, o perfil do cara é esse mesmo. Todas as suas obras devem ser nessa linha, mas eu nem pesquisei as demais rsrs. Há quem goste muito será? Não sei! Eu nunca tinha ouvido falar desse autor, assim como da maioria aqui do projeto, mas esse é um que eu não terei na minha lista. Ô leitura mais dura viu? Teve uma parte boa só que eu achei no livro, que foi a relação dele com o tio, de tudo que fala que o tio o ensinou, livros, etc. A parte que repete “disse a Gambetti” irrita demais! O tempo todo é isso, pois ele comenta uma coisa e diz em seguida “dissera a Gambetti” ahaha. Traumatizei! Valeu porque fala do país, mesmo que seja só coisa ruim, assim não ficou fora do que buscamos no projeto ahaha. Essa história me lembrou de uma amiga que mora na Bélgica agora, (e eu até falei isso pra ela) pois ela é assim em relação ao Brasil. Tudo ela odeia no Brasil haha, igual o personagem do livro.
Fiquei pensando que o autor devia ser muito ranzinza pra escrever tanta coisa negativa! Até achei a escrita dele interessante, nunca tinha lido algo assim, mas a atmosfera depressiva vai nos contagiando, né? Sai pra lá! hehe
Eu também não tinha lido nada nesse nível não, Camila!
Comprei o meu, estou aguardando a chegada. Fiquei um tempão na dúvida, decidindo entre O Náufrago,e Extinção. Até que li um extrato do primeiro e me decidi.
Minha próxima parada na VAM!!! Austria lá vou eu!
Camila, esse não me animei muito pra ler não! hehe Talvez eu leia por ser curtinho, pois também não gosto desse estilo, ambiente negativo! E eu tenho uma coisa, que se eu começo um livro, e por pior que ele seja, eu termino, porque tenho que saber que final ele tem!
Eu também não gosto de deixar livros pela metade, Lucimara! Mas esse não foi difícil de terminar. Acho que por ser curto mesmo.
Eu já li péssimos livros por causa disso hehe! Mas com o tempo a gente vai melhorando nas escolhas!
Ah, e eu continuo decidida a ler o Extinção, do Thomas Bernhard. A atmosfera lá também parece ser bem depressiva…
Bom, eu não acho que você esteja falando nenhuma bobagem, não… Pelo contrário, Camila, acho que você está coberta de razão – nos momentos de crise parece que há mesmo uma necessidade maior de expôr o lado social na arte como um todo, e a literatura não foge a isso…
Vindo da professora de literatura, fico feliz! Talvez eu já esteja começando a entender alguma coisa! ;-)
Acho que pode ser que você consiga ignorar o pessimismo de Thomas Bernhard em nome das outras qualidades do livros. Eu até reconheço essas qualidades, mas acho que 400 páginas de reclamações seria demais para mim. rsrs
Mas certamente! Você é uma leitora muito sensível, e isso é meio caminho andado!
Ah, comprei o meu Extinção em inglês, usado, uma edição de capa dura muito bonita! Qualquer hora dessas chego lá…