A literatura é uma ótima ferramenta para nos ajudar a derrubar preconceitos, enxergar diferentes visões de mundo e conhecer culturas que de outro modo nós talvez nunca chegássemos perto. Mas um livro pode também reforçar estereótipos e foi isso o que aconteceu quando li A Land Without Jasmine, do escritor iemenita Wajdi al-Ahdal. Ele me fez pensar que em alguns casos os estereótipos podem ser importantes para reforçar situações que precisam ser divulgadas. Até porque o que é claro para alguns pode ser desconhecido de muitos outros. Talvez você nunca tenha ouvido falar sobre a triste situação das mulheres no Iêmen, considerado o país com a maior desigualdade de gêneros. E não estou falando apenas da obrigatoriedade de estar o tempo todo coberta pelo véu. O problema é bem maior.
Pode ser que você não saiba que lá as esposas são consideradas bens dos maridos e que crianças são vendidas pelos pais para se casarem com homens muito mais velhos que elas. Organizações de direitos humanos fazem pressão para que seja estabelecida uma idade mínima para o casamento no Iêmen, mas, enquanto isso não acontece, aberrações como a morte de uma menina de 8 anos após sua lua de mel continuam acontecendo. As mulheres se casam cedo, são obrigadas a parar de estudar e são submetidas a agressões durante toda a vida. Essa realidade está mudando, mas a passos lentos. É intolerável que fatos como esses ocorram ainda hoje.
A Land Without Jasmine não aborda de forma tão profunda os problemas das mulheres iemenitas, mas nos mostra o desrespeito que elas sofrem diariamente. Jasmine é uma estudante universitária de 20 anos que se sente extremamente incomodada com o assédio constante dos homens. Apesar de sair de casa diariamente coberta pelo niqab, que deixa apenas seus olhos de fora, ela sente o olhar masculino o tempo todo a agredindo, exercendo sobre ela uma pressão psicológica difícil de suportar. Os homens, mesmo aqueles que se dizem muçulmanos exemplares, que rezam diversas vezes ao dia e fazem peregrinação à Meca, se transformam quando saem às ruas e perpetuam essa situação. Para o pai, Jasmine é um problema. Uma mulher de sua idade que ainda não se casou é vista como uma ameaça sempre prestes a manchar a honra da família.
E um dia Jasmine desaparece. A partir daí a história ganha o perfil de romance policial e de uma forma super envolvente. O livro é composto de 6 capítulos e em cada um deles temos um narrador diferente, sendo que cada personagem traz diferentes versões dos fatos. Não sabemos quem está dizendo a verdade, quem está escondendo fatos relevantes ou sua própria culpa no mistério do desaparecimento de Jasmine. Quase todos os personagens são exagerados em seu modo de sentir e de relatar os acontecimentos, então às vezes é difícil distinguir o que é real da imaginação. Há suspense, mentiras e reviravoltas inesperadas. Tudo isso em um livro de menos de 100 páginas, o que faz com que tudo aconteça muito rápido.
A Land Without Jasmine é muito mais do que um suspense policial. Apesar de curto, é um livro intenso que explora diferentes aspectos da sociedade do Iêmen. Foi uma leitura marcante e sei que ainda não consegui absorver todos os seus detalhes. Vou ficar esperando os comentários de quem também já leu pra batermos um papo. Se você ainda não leu, fica aqui o convite!
A Land Without Jasmine foi publicado originalmente em árabe, em 2012, e no mesmo ano em inglês, pela Garnet Publishing. A tradução é de William Maynard Hutchins.
Mais livros de autores iemenitas:
- Hurma, Ali al-Muqri
- Suslov’s Daughter, Habib Abdulrab Sarori
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
li o livro e tive outras impressões, mas lendo a sua resenha repensei melhor sobre os temas do livro. abraços.
Já falou sobre ele no blog, Martha?
Já. Tenho sentimentos dúbios com esse livro. Gostei muito da narrativa. Jurava que se tratava de um livro típico de detetive. Fiquei em choque com o final rsrsrs. Depois quando li mais sobre os jinnis entendi melhor… Adorei a experiência. Mas não pretendo reler. https://tapiocachic.wordpress.com/2016/07/31/cultura-patriarcal-e-mitologia-arabe/
Deixei um comentário no seu post sobre o livro. Não achei que a gente teve impressões tão diferentes assim. =)
Oi Camilla, bem legal essa experiência literária. Sempre que viajo, eu me programo para ler pelo menos um livro de literatura e um livro de História do país. Por exemplo, acho uma perda imensa de quem viaja a Portugal, sem ler Eça de Queiroz.
Abraços
Eu li “O Crime do Padre Amaro” pouco antes de ir a Portugal e fiquei morrendo de vontade de conhecer Leiria por causa do livro! Passei de ônibus lá e fiquei só relembrando partes da história…
Camila eu vi esse filme há um tempao e não me lembro dos detalhes.
Eu não lembro se vi antes ou depois de ler o livro… as é bom, posso rever. ;-)
Agora também quero ler o livro :)
Eu li “O Crime do Padre Amaro” bem depois de ir a Portugal, mas livros como “O Primo Basílio” e a “Cidade e as Serras” me dão uma vontade de me transportar para Lisboa… Uma vontade de morar na Calçada da Patriarcal!
É escolher os livros de literatura para ler – ou reler – antes da viagem à Rússia? Foi dificílimo!
A Rússia é difícil mesmo! Que literatura rica a russa! Eu conheço mais os clássicos, mas como no #198livros estou lendo literatura contemporânea, vou expandir um pouco o cenário. E já sei que vai ser difícil escolher um só livro!
Toda vez é isso Camila, leio os posts e fico morrendo de vontade de ler! Haja ansiedade! rsrsrsrsrsr
Ana, e eu fico ansiosa até pelos países que ainda nem foram sorteados! rsrs
Ótimo Camila! Esse acho que consigo ler mais rápido por ser curtinho! Mais um que vai furar a fila! Eu to percebendo que to lendo de trás pra frente! :)
Esse é bom para ir encarando o inglês, Lucimara!
Foi o que eu pensei Camila! E no fim do projeto saberei bem o idioma!