Quando li no papelzinho do sorteio o nome São Cristóvão e Névis eu até me assustei. É um país? Eu nem sabia! Logo descobri que a confusão era porque essas duas pequenas ilhas do Caribe são mais conhecidas pelo nome em inglês: Saint Kitts and Nevis. Já imaginei que encontrar um livro do país disponível no Brasil não seria tarefa fácil, mas pelo menos a língua oficial é o inglês, então eu poderia ler algum livro no original. Tive uma agradável surpresa ao descobrir que o livro que a Ann Morgan leu de lá em sua volta ao mundo literária não só se adequava perfeitamente ao #198livros como ainda estava disponível em e-book por um precinho super camarada. Não foi preciso pensar duas vezes! E foi assim que Only God Can Make a Tree, do escritor são-cristovense Bertram Roach, foi parar em minhas mãos.
São Cristóvão e Névis tem uma história semelhante à de diversas ilhas caribenhas. Ela foi colonizada pela Inglaterra no século XVII e foi explorada durante um tempo a base de mão de obra escrava africana. O país, do qual Anguila também fazia parte, só ficou independente na década de 80 e de lá para cá a separação das ilhas de São Cristóvão e Névis sempre vem à tona. A independência veio junto com a queda do preço do açúcar, que era a principal fonte de renda do país e que então entrava em decadência. Hoje o turismo é o pilar mais importante da economia são-cristovense.
Only God Can Make a Tree retrata o período antes da independência de São Cristóvão e Névis e após o fim da escravidão. Filho de um administrador de uma fazenda de cultivo de cana-de-açúcar no início do século passado, o escritor Bertram Roach conheceu de perto a realidade das pessoas nessa época. Suas palavras não poupam ninguém, nem os brancos donos das terras, nem os negros que nelas trabalhavam. O que ele mostra é que a abolição da escravatura, em 1834, e a miscigenação de raças não foram suficientes para acabar com o preconceito perpetuado durante séculos. Durante muito tempo o fim da escravidão foi realidade somente no papel, pois as posições importantes continuaram a ser ocupadas apenas por brancos e os negros só podiam ser seus empregados.
A história é narrada através da vida de Adrian, um jovem filho de pai branco e mãe negra. Naquela época os senhores brancos se envolviam com as negras, tinhas filhos com elas, mas raramente as assumiam. O pai de Adrian foi uma exceção, pois ele se casou com sua mãe, mas nunca foi capaz de informar à família que ficou na Europa que a esposa era negra ou a levou para conhecê-los. Ela, por sua vez, não o amava, e casou-se com ele em busca de prestígio e segurança.
Adrian, por ser mestiço e apresentar traços quase europeus, tem mais chances de sucesso na sociedade em que vive. Ele sabe que foram suas feições quase brancas que possibilitaram que ele fosse contratado como administrador de uma fazenda no lugar de seu amigo, um jovem negro de família humilde. Adrian é ambicioso e inteligente e quer chegar o mais longe possível na hierarquia social que o cerca, mas sua trajetória acaba trazendo dor a ele e às pessoas ao seu redor.
A história às vezes chega a ser incômoda. Um exemplo claro da relação entre as “classes” que permeava São Cristóvão e Névis no período retratado no livro ocorre quando são abordadas algumas dicas que os homens brancos recebiam sobre os negros quando saiam da Europa. Resumindo, eles deveriam tratar bem os negros, mas sempre mantendo-os em seus devidos lugares. Se um deles cometesse um deslize, deveria ser punido severamente, para servir de exemplo aos demais. E era recomendável escolher um negro e colocá-lo numa posição de destaque, pois ele trabalharia com mais afinco que qualquer homem branco. Não é perturbador?
Numa sociedade assim, como julgar alguém por suas escolhas se inteligência, educação e esforço não são suficientes para se conseguir o que merece? Se a única forma de obter algum status é através de casamento com brancos, como culpar quem escolhe as conveniências em vez do amor? Essas são algumas das perguntas que o livro nos induz a fazer. Além, é claro, de nos levar a uma reflexão a respeito do preconceito em nossa própria sociedade. Quantos anos (décadas? séculos?) são necessários para apagar os resquícios da escravidão? Será que essa é uma mancha na história do mundo que pode ser reparada?
Mas Only God Can Make a Tree não é bom só por causa das questões que levanta. A história é boa, envolvente. A evolução dos personagens de certa forma me lembrou de O Morro dos Ventos Uivantes. Só achei que algumas datas no final do livro não fecham, mas aí eu vou esperar os comentários de quem já leu para trocar umas ideias. Vou esperar, hein? ;-)
Only God Can Make a Tree foi publicado originalmente em inglês, em 2008, pela Athena Press.
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Lucimara e Camila, também fiquei fiz uma continhas rápidas, mas depois relevei! hahaha Vc tem razão Camila, a dureza como o autor descreve o preconceito é chocante, mais real! Nem vou mencionar a raiva que tive de Adrian!
Ana, também tive raiva do Adrian, mas como o julgar considerando a realidade em que ele vive? Eu estava agorinha relendo meu post sobre o livro de São Tomé e Príncipe (acabei de ler Equador, do Miguel Sousa Tavares ) e estava aqui pensando que vários livros do #198livros me mostraram que a abolição da escravidão em muitos países não significou o fim da exploração dos negros. Adoro perceber essa conversa entre diferentes livros!
Camila, terminei! Foi o primeiro livro que li em inglês. Gostei da história! Em relação às datas que você comentou, você se refere à que exatamente? Eu fiquei pensando na Deborah, a diferença entre ela e o Clifford. Quando ele foi morar com o pai já tinha 10 anos né? Mas você pode me ajudar a entender melhor, pois eu posso não ter captado bem a mensagem.
~~~~ SPOILER ~~~~
Isso mesmo, Lucimara! Quando Clifford foi morar com o pai já tinha 10 anos. O episódio em que ele percebe que tem um homem com a madrasta parece não demorar muito, então Deborah deve ter nascido quando ele tinha uns 11, 12 anos. Quando a guerra na Europa estourou ele tinha 19 anos. Ele conheceu Deborah no fim da guerra. Se for a 2ª Guerra, que durou 6 anos, ele teria 25 anos. E ela 14! Não fecha…
É, Camila! Eu tive que reler alguns trechinhos, pois fiquei em dúvida em relação à esses intervalos. Mas agora com sua resposta, vi que eu tinha entendido até. E foi um livrinho bom apesar dessa dúvida né? Eu gostei bastante, e um dos motivos foi porque descobri que meu inglês até que não está tão ruim. Queria que todos os livros de inglês fossem assim rsrs. Nada como praticar o idioma! Eu tô lendo Butão, e tá tranquilo também!
Persiste que ao poucos vai ficando mais fácil! Daqui a pouco você já encara os livros grandões! ;-)
Isso mesmo Camila! :)
Essa capa é tão bonitinha, e tá 8,00 e eu vou comprar hoje! :)
Gostei muito desse livro, Lucimara! E por ser pequenininho é ótimo para encarar o inglês! ;-)
Tá bem gostosa a leitura desse Camila! Quase não utilizo o dicionário! Me animei rs