198 Livros: São Tomé e Príncipe – Histórias da Gravana

198 Livros - São Tomé e Príncipe Minha recente paixão pela literatura lusófona já ficou clara ao longo dessa volta ao mundo dos livros, por isso fiquei bem empolgada quando sorteei São Tomé e Príncipe, mais um país de língua portuguesa. Infelizmente, não é tão fácil encontrar livros de lá no Brasil. Nosso contato cultural com os países africanos em geral parece ser tão escasso. Sei que não encontrei uma boa oferta de livros são-tomenses, mas havia pelo menos um livro publicado aqui que se adequaria bem ao projeto: era Histórias das Gravana, de Olinda Beja, uma coletânea de contos da escritora a respeito de sua terra natal. Histórias das Gravana - Olinda Beja

Histórias da Gravana é um retrato da história recente de São Tomé e Príncipe nos últimos séculos através da ótica das pessoas comuns nos períodos antes e depois da independência. A escravatura foi abolida no país em 1876, mas é claro que seus efeitos não deixaram de existir de um dia para o outro. A maioria dos contos tem uma temática cotidiana, falam das condições de trabalho, das famílias, da relação dos homens com a natureza. Eles dividem a ilha de São Tomé em duas estações: a das chuvas e a da gravana. Um tema é recorrente nos contos: a miscigenação racial. Os brancos portugueses namoravam com as negras, mas não as assumiam. Criavam os filhos desses relacionamentos como se fossem mesmo deles, mas sem nunca lhes passar o nome europeu.

“Naquela época, branco era dono e senhor de tudo, de roça, de plantação, de castigos, de leis, de serviçais, de seus corpos e de suas vidas.”

São Tomé e Príncipe começou a ser explorado no século XV com a cana-de-açúcar, mas no início do século XX veio a febre do cacau, que chegou lá como arbusto decorativo vindo do Brasil e acabou transformando o país num dos maiores produtores do mundo. Mesmo após a decadência do cacau e a independência do país, parece que ele continua a ser explorado pelos países europeus.  O que mudou foi a forma de exploração.

“Antigamente saía muito peixe na nossa terra, agora dizem que andam aí os russos, os espanhóis, os franceses, todos pescam e levam e nós fica de cara torta à espera de nada.”

E com as dificuldades enfrentadas pelo país, o sonho de quase todos é ir embora de lá em busca de condições melhores. Lisboa é vista como a terra das oportunidades, o lugar quase perfeito “onde nada falta a não ser um pouco de vegetação e calor”.

A linguagem de Olinda Beja é deliciosa, com aquele português que não é bem o nosso e com um quê de poesia que adiciona lirismo às palavras. A maioria dos contos são curtos, exceto o último, que ocupa quase metade do livro, e que é o único de que não gostei. É que ele já é lírico demais pro meu gosto. Esse último conto é uma mistura de versos e prosa, lendas e histórias. Preferi as historinhas curtas que contam a vida dos são-tomenses de forma mais real. Fora isso, gostei bastante do livro.

Quando reproduzo aqui muitos trechos dos livros é porque a linguagem realmente me encantou e eu sei que minhas palavras não conseguirão retratar minhas impressões. Por isso vou deixar mais um pedacinho, um trecho que está logo na introdução, mas que é um ótimo exemplo da linguagem e dos temas abordados no livro.

“Neste perpassar de tempo, ora chuvoso, ora exultante de sol abrasador, vão-se costuricando passagens de vidas pela ilha do chocolate, brumosas umas, perdidas já num esquecimento de ontem quando nossos avós se vergavam sob o peso de um trabalho escravo, contrato que humilhou e danificou corpos e almas enquanto o cacau frutificava e se expandia pelo mundo ocidental que não imaginava sequer o peso do sangue que ele transportava.”

Histórias das Gravana foi publicado em 2011 no Brasil pela Editora Escrituras.

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

5 Comments

  1. Hi Camila,
    Any chance you have this book available to share and/or translated to English? I am also doing a similar project, reading my way around the world. Would love to obtain a copy of this book Historias de Gravana, if possible.
    (PS: I’m from India but living in the US).

    Thank you,
    Divya

    • Camila Navarro

      Hi, Divya! Unfortunately, as far as I know, the book was only published in Portuguese.

  2. Lucimara Busch

    Bom Camila, como já falamos, também sou louca pelos lusófonos. Acho muito divertido o vocabulário deles, como por exemplo, a palavra “miúdo”. Lembro que vi pela primeira vez no livro do Mia Couto. (Lembro da frase ” um velho e um miúdo…”)
    Gostei desse livrinho de contos, apesar desse gênero não ser o meu preferido. Bela escolha! :)

    • Eu também prefiro os romances, mas até que tenho gostados dos contos, principalmente os que não são tão curtos e deixam o autor desenvolver um pouquinho a história. Tô lendo o do Tajiquistão e é mais ou menos assim. Tô gostando!

      • Lucimara Busch

        Pois é Camila, até marquei um trechinho de um que eu gostei. Depois eu coloco aqui!

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