Não havia muitas opções de livros do Gabão. Não encontrei nada em português e também nenhum livro digital em inglês, mas o livro que chamou minha atenção estava disponível na Book Depository, então o problema estava resolvido. O engraçado nessa volta ao mundo dos livros é que muitas vezes em que uma única opção de livro se apresenta ela acaba sendo a opção perfeita. Isso aconteceu com o Gabão. Mema, do escritor Daniel Mengara, foi tudo o que eu procuro nesse projeto: uma boa história permeada por aspectos históricos e culturais do país de origem do autor. Parecia que cada página do livro me ensinava algo novo.
Mema é uma homenagem de um filho à sua mãe. “Mema. Mother. My mother.” O narrador, Elang, conta a história, sua e dela, a partir de uma perspectiva futura. Já crescido, ele percebe o quanto a mãe era forte e inteligente, mas enquanto o livro corre ele é apenas uma criança que não consegue enxergar os fatos com tanta clareza. Não é uma história feliz, mas é forte e linda.
Mema nasceu no período em que os Fulassi – homens brancos, como os Dzaman e os Nguess (franceses, alemães e ingleses, respectivamente) – dominavam o Gabão. Os homens brancos haviam roubado as terras deles e os obrigado a aprender suas línguas e seguir suas leis. Quando os Fulassi e os Dzaman entraram em guerra, muitos negros foram para a terra dos Fulassi lutar ao lado deles, com a promessa de que receberiam sua terra de volta caso saíssem vencedores. E foi que aconteceu. É dessa forma gostosa que a história do Gabão é contada em Mema e assim a gente aprende sobre a participação do país na Segunda Guerra Mundial e sobre a sua independência da França, em 1960, a partir da visão do povo local.
Como em vários livros africanos que li até agora para o #198livros, em Mema os hábitos tradicionais africanos são bem retratados e a contação de histórias tem um papel muito importante. É assim que os conhecimentos e ensinamentos são (eram?) transmitidos de uma geração a outra. A coletividade também tem grande destaque nas sociedades tradicionais rurais. Os problemas nunca são individuais. Na vila em que Elang cresce, quando há um problema que exige intervenção ou decisão, é convocada uma medzo no centro da vila. Nessas ocasiões os jovens aprendem com os mais velhos. A palavra geralmente é exclusiva do homem, mas Mema nunca se cala. Ela é uma mulher forte, uma mulher que enfrenta as regras impostas.
Por falar nisso, esse foi mais um livro em que o machismo da sociedade retratada ficou bem evidente. Quando as mulheres se casam, elas passam a pertencer à família do marido. Retornar para a família de origem é uma vergonha. Isso só costuma acontecer quando a mulher apanha demais do marido. Veja bem, quando ela apanha demais. O excesso é mal visto, mas a violência contra a mulher é aceita com naturalidade.
“I know that a husband may sometimes get angry and beat his wife, but who declared that this should become a custom of our land? […] Does a man show he is strong by beating his wife for no reason?”
Na casa de Elang as coisas eram um pouco diferentes. Pepa, o pai, era “a mulher da casa”, subjugado pela força de Mema, mas para a sociedade era preciso mostrar o contrário. Uma mulher como Mema nunca seria aceita facilmente e por causa de seu caráter transgressor ela acaba sofrendo bastante.
Além de ser um belo retrato do Gabão no período de transição pós-colonialismo, Mema é também uma linda história de amor entre mãe e filho. Eu amei o livro! Enquanto escrevo esse post já fico com vontade de relê-lo. E mais uma vez lamento que ele não tenha sido publicado no Brasil, porque é um daqueles livros que eu queria que todo mundo lesse.
Mema foi publicado originalmente em inglês, em 2003, pela Heinemann Educational Publishers como parte da African Writers Series.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Parece ser muito bom mesmo, valeu pela dica!
Espero que você também goste, Lidiane! Depois me conte o que achou!