É engraçado pensar no Vaticano como um país, né? Bom, na verdade ele não é exatamente um país, é uma cidade-Estado, mas, por ser um dos membros da ONU (um estado-observador, assim como a Palestina) ele entrou na lista de leitura do #198livros. Quando chegou a hora de escolher um livro do Vaticano é que a situação se complicou. A intenção desse projeto é ler livros de autores locais que retratem a história ou a cultura de um país, mas como adotar os mesmos critérios dessa vez? O que seria ler um livro de um autor local nesse caso? Complicado, né? Tivemos que flexibilizar as regras e decidimos ler um livro que nos ajudasse a entender o Vaticano. Seguindo a indicação de um professor de Teologia escolhemos o escritor Andreas Englisch, um jornalista especializado no Vaticano que publicou vários livros a respeito dos papas que acompanhou. Não sei o porquê, mas ficamos com o que fala sobre Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI.
O homem que não queria ser Papa é uma espécie de biografia de Joseph Ratzinger, principalmente a partir do momento em que ele assume o posto máximo da Igreja Católica Romana. Eu li o livro sem muitas ideias preconcebidas, até porque eu não costumo acompanhar as notícias do Vaticano e não sabia quase nada sobre a história de Bento XVI além do fato de ele ter renunciado e de ser uma figura pouco carismática. Andreas Englisch discorre sobre vários temas relevantes que aconteceram durante seu curto pontificado, dentre eles os inúmeros escândalos de pedofilia na igreja, beatificações, a preocupação com a diminuição do número de católicos no Brasil e questões ambientais. Em quase todos os pontos a postura de Joseph Ratzinger era oposta à de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II.
Depois de ler o livro eu confesso que senti pena de Joseph Ratzinger. Ele claramente era uma pessoa sem a mínima vocação para ser papa que foi empurrado para essa função sem ter capacidade de exercê-la. Como exigir que um homem tímido e nada político desempenhe o papel de chefe supremo da Igreja Católica? A carga era ainda mais pesada por ele estar sucedendo ao amado e popular João Paulo II. Abdicar do cargo me parece a atitude mais corajosa que ele poderia ter tomado e eu o admiro por isso.
Joseph Ratzinger teve ainda outro obstáculo: o fato de ser alemão de certa forma o obrigava a se desculpar em nome de seu país pelos horrores perpetrados pelos nazistas. Mas Ratzinger não tinha o dom da diplomacia e acabou colocando a igreja em saias justas por causa disso. O autor, que também é alemão, fala da culpa da Igreja Católica na fomentação do antissemitismo na Europa ao longo de séculos de perseguição aos judeus. E lembra ainda a atuação vergonhosa da igreja no século XV, quando o papa Nicolau V autorizou a “caça” de escravos na África ou quando teve uma postura deplorável em relação aos nativos americanos. Tudo bem distante dos princípios cristãos…
As falhas do Vaticano que Andreas Englisch aponta não ficam restritas ao passado e ele mostra como as coisas funcionam ainda hoje. Os jogos políticos que se desenrolam atrás das cortinas não devem nada a qualquer outro governo. Um trecho do livro resume bem a minha opinião sobre o tema:
“Acredito que quanto menos um católico devoto souber o que acontece dentro da Igreja e no Vaticano, mais fácil será para manter a fé. Isso não é cinismo, apenas a natureza das coisas. A Igreja é feita de pessoas, e pessoas cometem erros. É óbvio que a Igreja tenta, assim como qualquer outra instituição mostrar apenas o seu lado positivo e não os seus erros. Quando mais alguém é forçado a ver essas belas cenas, mais erros encontrará na Igreja Católica, que se diz uma criação de Deus.”
Gostei do livro mais do que eu imaginava que iria gostar, apesar de o ter achado muito arrastado e repetitivo em alguns momentos, mas no geral minha avaliação é positiva. O bom é que ele foi muito mais do que um livro sobre Joseph Ratzinger, mas uma verdadeira aula sobre a história e funcionamento da Igreja Católica e do Vaticano e mesmo sobre a história do mundo.
O homem que não queria ser Papa foi publicado originalmente em alemão, em 2011, e em português em 2013, pela Editora Universo dos Livros. A tradução é de Gisele Andrade e Regina Canova.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Não li o livro, mas sempre achei a postura do Papa Bento XVI muito corajosa e ele ganhou muito o meu respeito por isso.
Seu post me deixou com vontade de ler mais sobre o assunto, adorei!
Beijão!
Leia sim, Natalia! O livro nos ensina muita coisa!
Camila, eu também gostei mais do livro do que esperava! Acabei comprando até outro do mesmo autor “Francisco, o papa dos humildes”. Acho que para entender melhor como as coisas funcionam no Vaticano o livro escolhido para o projeto foi perfeito! E concordo: a decisão do Ratzinger em renunciar foi muito corajosa!
Lu, fiquei até com vontade de ter o livro sobre o papa Francisco, mas acho que ainda há muita história para ser contada sobre ele, né?
Camila, eu entendi um pouco ele, pois eu sou uma pessoa que gosta de ficar longe de multidão, que gosta de ficar quieta, lendo, que não gosta de exposição. Com essa passagem do livro, eu me identifiquei. Também gostei de ter lido, pois não sabia nada da história dele!
Eu também entendo essa característica dele, a questão é uma pessoa assim ser papa, né? Na verdade parece que era esse o tipo de pessoa que eles queriam, pois alguém com uma personalidade mais forte seria mais difícil de controlar. Ele fez muito bem em escapar dessa!