Vou confessar uma coisa: toda vez que sorteio um país da América Central eu fico na dúvida sobre a língua oficial. Meu primeiro chute é sempre o espanhol, mas a verdade é que um monte de país por ali fala inglês. E tem ainda o Haiti falando francês. Isso sem falar nas diversas línguas de origem indígena e africana que sobreviveram na região. É uma mistura e tanto e eu fico pensando que esse caldeirão de línguas diferentes deve representar também uma cultura muito rica, com diferentes influências. Minha ignorância me levou a pensar que em Belize se falava espanhol, mas não, a língua oficial é o inglês. Se bem que parece que o espanhol é falado por grande parte da população. Não tenho motivos para ficar confusa? A questão das línguas foi só uma das coisas que Beka Lamb, da escritora Zee Edgell, me contou sobre Belize. E assim, aos pouquinhos, essa “Volta ao Mundo em 198 Livros” me ensina a cada dia algo novo sobre o mundo.
Beka Lamb foi publicado em 1982, um ano após Belize ficar independente do Reino Unido, e o livro reflete a atmosfera dessa época. Ele conta a história de Beka, uma garota de 14 anos cujo principal defeito é mentir demais. Ela sente que começa a mudar no dia em que decide parar de mentir. Em retrospectiva a gente vai conhecendo os fatos que levaram Beka a amadurecer e então a gente conhece também a história de sua melhor amiga, Toycie, que tem 17 anos. Apesar da diferença de idade, elas são inseparáveis. Toycie e Beka são exceções num bairro em que a maioria das garotas é obrigada a abandonar a escola cedo para trabalhar. Beka pode continuar estudando porque sua família tem uma condição financeira estável e até rara para os negros da sua cidade. Toycie não tem a mesma sorte, mas sua avó faz de tudo para que ela tenha uma vida diferente da sua. E então a vida das meninas é sacudida por um fato inesperado (inesperado para Beka, mas previsível para os leitores) e tudo vira de cabeça para baixo.
Beka Lamb é tudo o que eu procuro nesse projeto: um livro com enredo envolvente que entre uma cena e outra vai me apresentando detalhes da cultura e da História do país que estou lendo. A autora nos mostra a realidade de uma região que sofre com furacões e tempestades e na qual ainda há muita pobreza. Ela aborda também um tema difícil de se ignorar quando se fala em América Latina: a miscigenação racial.
“It was a relatively tolerant town where at least six races with their roots in other districts of the country, in Africa, the West Indies, Central America, Europe, North America, Asia, and other places, lived in a kind of harmony. In three centuries, miscegenation, like logwood, had produced all shades of black and brown […] Creole regarded as a language to be proud of by most people in the country, served as a means of communication amongst the races. Still, in the town and in the country, as people will do everywhere, each race held varying degrees of prejudice concerning the others.”
A gente percebe que essa harmonia muitas vezes se dá através de segregação quando Beka diz, por exemplo, que há clubes diferentes para os crioulos — os negros locais — e outro para os bakras — as pessoas brancas e expatriadas. E descobre ainda que o preconceito não existe apenas entre crioulos e brancos, mas também entre os crioulos e os caribes negros, os descendentes de escravos africanos que se misturaram com os caribes indígenas da ilha de São Vicente. Gente, eu nem sabia quem eram esses caribes e muito menos que existiam divergências entre eles! Por isso essas leituras estão sendo tão enriquecedoras. Eu também não sabia que Belize e Guatemala se estranharam na época em que Belize lutava por sua independência. E tudo isso é contado de forma casual, sem deixar a leitura pesada.
“Importing coffe from Guatemala now, Dad?’ ‘What do you mean by”now”? Belize has always traded with the Republics around here’, Bill Lamb answered, turning to peer at Beka over the top of his rimless glasses. ‘But you said that since Guatemala wants to take over Belize, it was dangerous to have contact with them.”
Não digo que Beka Lamb foi um dos meus livros preferidos, mas gostei muito dele e com certeza ele se encaixou perfeitamente na proposta do projeto. Para quem quiser conhecer o Caribe que vai além das praias paradisíacas é uma excelente pedida!
Beka Lamb foi publicado originalmente em inglês, em 1982, pela Editora Heinemann.
Mais livros de autores belizenhos:
- A Child Grows Up and Wonders – Felicia Hernandez
- Cry Among The Rain Clouds: The Belize Detective – John Alexander Watler
- On Heroes, Lizards and Passion – Zoila Ellis
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Desculpa aparecer nesse posta tão antigo, mas vi que você conseguiu esse livro em formato digital. Onde você arranjou? Procurei bastante, mas não achei em lugar nenhum pra vender e não estou em condicõe$ de comprar ele físico rs
Valeu!
Oi, Danilo! Eu comprei na Amazon na época, mas agora ele parece não estar mais disponível em versão digital. Infelizmente.
Quando comecei a ler o post pensei no livro que estou lendo do Zimbábue, “O garoto da casa ao lado”, muito parecido, romance com cenas da história do país, inclusive a independência recente do Reino Unido. Também adoro esse tipo de livro.
Agora fiquei com vontade de ler esse seu, Ana!
Estou gostando muito Camila, a autora é Irene Sabatini. Comprei na Estante Virtual.