Cada livro que leio dos países que formavam a antiga Iugoslávia me ensina um pouquinho mais sobre esse complexo Estado e sobre sua ainda mais complexa desintegração. Como o Soldado Conserta o Gramofone, o livro que li da Bósnia, me mostrou as cicatrizes causadas pela guerra através dos olhos de uma criança. Já o da Eslovênia,(Southern Scum Go Home) trata da condição dos imigrantes dos demais países que compunham a antiga Iugoslávia vivendo agora na Eslovênia. O livro da Croácia – The Ministry of Pain, da escritora croata Dubravka Ugresic – misturou um pouco dos dois assuntos: marcas da guerra e imigração pós-desintegração.
The Ministry of Pain é narrado por Tanja, uma professora de literatura que deixou para trás Zagreb e agora vive em Amsterdã, onde dá aulas para outros exilados da antiga Iugoslávia. As aulas fazem parte de uma política do governo holandês para acolher os refugiados. Tanja diz que no início eles eram bem tolerantes e acolhiam todos os que chegavam, especialmente os que diziam sofrer discriminação devido às suas opções sexuais, mas depois de um tempo as portas foram se fechando. Seus alunos chegaram lá por motivos diversos: alguns para evitar o serviço militar, outros fugindo de zonas de guerra ou ainda aqueles que estavam ali porque tinham se casado com holandeses. Em comum entre todos havia o fato de terem sido privados de sua terra natal, não apenas fisicamente, mas também psicologicamente.
“Yugoslavia, the country where they’d been born, where they’d come from, no longer existed. They did their best to deal with it by steering clear of the name, shortening it to Yuga (as the Gastarbeiter, the migrant workers in Germany, had done before them) and thus ‘the former Yugoslavia’ to ‘the former Yuga’ or playfully transforming it into Titoland or the Titanic. As for its inhabitants, they became Yugos or, more often, simply ‘our people’.”
Tanja não vê sentido em falar sobre a literatura de um país que nem mesmo existe mais. Ela sente que os alunos estão tão machucados quanto ela e acaba alterando sua função de professora para a de uma espécie de terapeuta. Ela incentiva que dentro da sala de aula eles cultivem a yugonostalgia, que ali eles tenham o direito de relembrar o país em que cresceram.
“Another thing we all had been deprived of was our right to remember. With the disappearance of the country came the feeling that the life lived in it must be erased.”
Nessa espécie de jogo aparecem lembranças de todo tipo: amenas como as novelas brasileiras e as comidas típicas (burek e baklava), simbólicas como as comemorações na TV todos os anos no aniversário de Tito e amargas como a perda de um pai no campo de concentração de Omarska, onde sérvios mataram bósnios-muçulmanos e croatas. Mas a diversidade étnica que existia na Iugoslávia se repete na sala de aula e por isso a convivência não é das mais fáceis.
O que Tanja não percebe facilmente é que nem todos ali querem relembrar, pelo contrário, o que a maioria quer é esquecer os horrores presenciados, os entes queridos mortos, a vida perdida. As feridas são muito recentes, todos estão muito machucados e ao tentar curar as próprias dores Tanja acaba expondo dores ainda maiores.
O livro tem um clima meio pesado, carregado de melancolia e depressão, mas gostei muito de The Ministry of Pain. Acho que não haveria como retratar a triste realidade pós-guerra de forma diferente.
The Ministry of Pain foi publicado originalmente em croata. A tradução para o inglês é de Michael Henry Heim.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Parece interessante! Eu amei Como o Soldado Conserta o Gramofone.
São livros bem diferentes, mas ambos exploram bem os problemas que as guerras causam na vida das pessoas comuns.