198 Livros: Egito – Blue Lorries

198 Livros - Egito

Bem antes de sortear o Egito eu já estava de olho em um livro de lá. Era The Crocodiles, do escritor egípcio Youssef Rakha, que havia me interessado porque falava sobre a Primavera Árabe. Quando o país foi sorteado, no início do ano passado, o livro ainda não havia sido publicado em inglês, mas isso deveria acontecer no final do ano. Preferi esperar, já que The Crocodiles parecia ser super apropriado ao projeto. Assim que ele saiu eu comprei meu exemplar digital e comecei a ler. Bom, foi aí que veio a decepção: ele não era bem o que eu esperava. Li apenas um terço do livro, mas a leitura não estava fluindo. Achei a história muito confusa e o mais importante é que ela não me dizia nada sobre a Primavera Árabe. Eu não gosto de largar livros pela metade, mas sabendo que a literatura egípcia é muito rica e que eu poderia escolher algo mais interessante para representar o país no 198 Livros, abandonei The Crocodiles.

Um pouco antes disso, em novembro de 2014, a escritora Radwa Ashour faleceu. Eu já tinha ouvido falar bem de suas obras e a comoção gerada pela sua morte foi suficiente para que eu percebesse sua importância para a literatura egípcia contemporânea. Difícil foi escolher apenas um de seus livros, mas acabei me decidindo por Blue Lorries. De antemão já digo que essa minha segunda tentativa foi muito bem sucedida!

Blue Lorries - Radwa AshourBlue Lorries não conta uma história tão atual quanto eu queria a princípio, mas em compensação me deu uma aula sobre o Egito na segunda metade do século passado através da vida de diversos personagens. As histórias se convergem na figura da narradora, Nada, filha de mãe francesa e pai egípcio. Nada nos é apresentada aos 5 anos de idade, quando a mãe a leva para visitar o pai na prisão. Ele, um professor universitário, foi preso por motivos políticos. O que Nada ainda não sabe é que não é a primeira vez que o pai vai parar na prisão por se opor ao regime do presidente Nasser e muito menos que essa vida de ativismo e opressão irá se perpetuar em sua própria história, na de seus amigos e de seus irmãos.

Quando o pai sai da prisão, as diferenças culturais entre ele e a esposa se tornam insuportáveis e eles se separam. A mãe retorna para a França, mas Nada prefere ficar com o pai no Egito e ele logo se casa novamente e tem outros filhos. Ao longo dos anos diferentes eventos e cenários políticos se sucedem, os conflitos com Israel se intensificam e Nada se torna cada dia mais politizada e ativista, para desespero de sua madrasta, que teme que os filhos sofram o mesmo que o pai.

Nada relembra sua história desde a infância e, apesar de contar tudo a partir de numa perspectiva futura, é como se ela nos mostrasse a visão das épocas narradas. Até a linguagem do livro vai mudando: começa infantil e vai amadurecendo conforme os anos passam. Senti que Nada narra sua vida com certo distanciamento, sem explicitar seus sentimentos ou o porquê de suas atitudes. Ela não explica porque decide ficar no Egito quando os pais se separam ou porque não vai embora quando ele se casa novamente, por exemplo. Em certos momentos ela dá a entender que foi acometida pela mesma depressão que alcançou muitos jovens de sua época, mas não explora esse assunto, ou melhor, não volta os olhos para si.

No livro a vida de Nada passa muito rápido, como se fosse apenas um fio condutor para os acontecimentos do país, não o assunto principal. Se pensarmos bem, apesar de nos sentirmos únicos e especiais, não é isso o que somos no fim das contas? Acho que Radwa Ashour conseguiu transmitir esse sentimento com maestria.

Blue Lorries acabou se tornando um dos meus livros preferidos no projeto até agora. Amei o livro e amei a escrita de Radwa Ashour. Fiquei com muita vontade de ler outros livros dela. Ao final da leitura me bateu uma enorme tristeza por tê-la conhecido apenas após sua morte e tão pouco tempo depois. Uma coisa é certa: Radwa Ashour não é como Nada ou eu. Para o Egito e para a literatura mundial ela foi muito mais do que um mero fio condutor.

Blue Lorries foi publicado originalmente em árabe, em 2008, e em inglês em 2014, pela Bloomsbury Qatar Foundation Publishings. A tradução é de Barbara Romaine.

Mais alguns livros contemporâneos de escritores egípcios:

  • Miramar, Naguib Mahfouz
  • The Open Door, Latifa Al-Zayat
  • Brooklyn Heights, Miral al-Tahawy
  • Women of Karantina, Nael al-Toukhy 
  • A Man from Bashmour, Salwa Bakr
  • Stealth, Sonallah Ibrahim

Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.

2 Comments

  1. Lu Malheiros

    Camila, gostei do livro, mas não marquei ele como um dos meu favoritos. Depois da sua resenha, vou dar outra olhada rápida nele ;-)

    • Lu, saiba que nessa minha lista de preferidos já entram uns 20 livros. Já não sou mais capaz de fazer top 10. rsrs Mas gostei muito desse livro, principalmente pela forma de escrever da autora. Fiquei fã!

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