O México foi um dos casos típicos de excesso de opções. Eu não conhecia nada da literatura mexicana, mas sei que há muitos livros bons por lá e fiquei com vontade de ler vários. Sozinha eu não conseguiria escolher só um, mas felizmente as meninas já tinham um livro na cabeça e tornaram a escolha mais fácil. O livro que elas queriam muito ler era Malinche, da escritora Laura Esquivel. Seu livro mais famoso é Como Água para Chocolate, que todo mundo conhece principalmente por ter virado filme, mas era Malinche que iria nos apresentar uma parte da história mexicana.
Eu nunca tinha ouvido falar na indígena que foi amante de Hernan Cortés, que falava asteca, maia e espanhol, que foi intérprete dos espanhóis e acusada de trair seu próprio povo. Seu nome verdadeiro, de origem nauatle, era Malinalli. Após seu batismo ela se tornou Doña Marina, mas ela é mais conhecida como Malinche (que no livro seria o apelido dado a Cortés e significaria “o amo de Malinalli”, mas que pelo jeito é como ela ficou conhecida). Eu não imaginava o tamanho da importância dessa mulher para a formação do México. Talvez ela seja uma das personagens mais controversas da conquista mexicana e só por isso vale a pena conhecê-la.
O livro conta a história de Malinche com certo distanciamento e acho que isso é natural, afinal, estamos falando de algo aconteceu há quase 500 anos. A parte que retrata sua infância é desenvolvida com mais profundidade, especialmente a relação dela com a avó. Acredito que essa fase foi usada para bem representar a rica cultura que existia no México antes da colonização. Senti que a autora não tentou decifrar os sentimentos de Malinalli e Cortés e que a vida adulta é retratada de forma mais histórica, provavelmente fruto de muita pesquisa, sem tanto espaço para ficção.
Foi muito interessante conhecer um pouco da história do México, descobrir que os sacrifícios astecas não eram inerentes à religião como eu imaginava e que o imperador Montezuma entregou o país das mãos de Hernan Cortés acreditando que ele era o deus Quetzalcoatl. Triste foi imaginar como os espanhóis não demonstraram nenhum respeito pela cultura local e destruíram tudo o que viam pela frente em troca de riquezas. Não é preciso fazer muito esforço para acreditar que isso realmente aconteceu.
Ler Malinche foi uma delícia, uma leitura rápida e gostosa, mas cheia de significado. Ainda quero ler uma penca de autores mexicanos, mas minha primeira experiência com Laura Esquivel me fez começar com o pé direito. Confesso que foi difícil me segurar para não ler mais de um livro dessa vez e só não o fiz porque seria deslealdade com os outros 197 países. De qualquer forma, a lista que está no final desses post vai ficar esperando o fim do projeto!
Malinche foi publicado originalmente em 2006, em espanhol, e no Brasil em 2007, pela Editora Ediouro. A tradução é de Léo Schlafman.
Mais alguns livros de escritores mexicanos:
- Festa no Covil, Juan Pablo Villalobos
- Os Anos com Laura Díaz, Carlos Fuentes
- Vozes na Multidão, Valeria Luiselli
- Pedro Páramo, Juan Rulfo
- As batalhas Do deserto, Jose Emílio Pacheco
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Finalmente furei a fila para ler Malinche (deixando o livro em francês de lado – tô enrolando no francês igual à Lucimara no inglês, rsrsrs…)
Mas dessa vez tenho comentários, como sempre, mas eles não têm nenhum spoiler, não… Gostei muito do romance – achei o texto da Laura Esquivel super gostoso de ler (li o original em espanhol, não sei como está a tradução para o português).
Um ponto muito alto, na minha opinião, foi o modo como ela abordou a figura da Malinche (eu uso Malinche para Malintzin / Malinalli porque nunca tinha ouvido falar que esse termo se referiria a Cortés – não sei até que ponto isso é verdadeiro ou criação da autora, não consta de nenhum texto histórico ou teórico-crítico que eu tenha lido). Sendo uma figura histórica, o/a escritor/a fica meio limitado na sua criatividade, porque tem que, até certo ponto, se ater aos fatos registrados pela História. Achei que ela fez um trabalho muito bonito de composição da personagem, principalmente quando narra a infância dela – justamente o período mais obscuro para a História.
Antes do romance da Laura Esquivel, eu não conhecia nenhuma obra literária mexicana que tivesse resgatado a figura da Malinche desse modo. As escritoras chicanas (que são de origem mexicana, mas nascidas ou radicadas nos EUA) já descobriram a Malinche e se apropriaram da figura dessa intérprete responsável pelo início da mestiçagem no México desde os anos 80 pelo menos. Mas no México em si a Malinche é uma personagem tão controversa (nunca chame um mexicano de “hijo de la Malinche”, é uma ofensa gravíssima!), vista normalmente de uma forma tão radical (ou como a responsável pela conquista de Cortés ou como uma vítima absolutamente indefesa) que dar esse passo na direção de uma abordagem mais moderada, mais humana, buscando representar uma mulher que, apesar de todas as limitações impostas pela sua condição de escrava, conseguiu tomar algumas decisões, me parece uma grande vitória.
Deixo duas sugestões a quem tiver se encantado pela personagem e quiser ler um pouco mais: o ensaio “O labirinto da solidão”, de Octavio Paz, e o romance policial chicano Black Widow’s Wardrobe, de Lucha Corpi (aqui, uma das personagens acredita ser a reencarnação da Malinche, é muito divertido!) E, se vocês quiserem ler o capítulo da minha dissertação de mestrado sobre ela, acho que já deixei o arquivo lá no grupo do Facebook!
Carla, também procurei saber essa questão do nome e não achei em nenhum outro lugar a explicação do livro. Achei a leitura bem gostosa em português também. Acho que salvei sua dissertação para ler depois e agora vai ser a hora certa para ver o que você escrever sobre Malinche!
Já tinha ouvido muito falar do Como Água para Chocolate, mas nunca tive vontade de ler. Uma amiga comentou que tem umas coisas com comida, enfim. Mas gostei de ler Malinche! Diferente, e curti! E como você, também quero ler vários outros mexicanos.
Também nunca me interessei por Como Água para Chocolate, mas gostei de conhecer a autora através de Malinche.