O Kosovo era um mistério para mim. Eu não conhecia ninguém que tinha ido até lá, não li muitos relatos de viagens e me preocupei apenas em saber se o país era seguro para turistas e se os brasileiros precisam de visto. Quanto à segurança, eu sabia que desde que não dirigisse um carro com placa sérvia e ficasse longe das áreas de possível conflito eu estaria segura. Sobre o visto na verdade não obtive informações seguras, já que o Brasil não mantém relações diplomáticas com o Kosovo, mas sabia que (poucos) brasileiros haviam viajado para lá sem visto, então provavelmente não teríamos problemas.
O Brasil não reconhece a independência do Kosovo. Ele se auto-declarou independente da Sérvia em 2008, mas o governo sérvio não aceitou essa decisão. Hoje 109 países-membros da ONU reconhecem a soberania do Kosovo (dentre eles Estados Unidos, França, Alemanha, Turquia e Reino Unido), mas outros – como Brasil, Rússia e Argentina – não fizeram o mesmo. Essa questão acaba prejudicando o Kosovo economicamente, pois não é fácil atrair investimentos estrangeiros com essa indefinição. Grande parte dos recursos após a independência vieram da ajuda de organizações internacionais, como a ONU e a União Europeia, mas a economia do Kosovo continua sendo uma das mais fracas da Europa. O desemprego beira os 50% e muitos kosovares abandonam o país para tentar uma vida melhor em países mais estáveis.
Com esse panorama, eu não sabia o que esperar de Pristina, a capital do Kosovo, cidade da qual até pouco tempo eu nunca tinha ouvido falar. Eu já imaginava um lugar pobre e decadente, mas me surpreendi ao encontrar uma cidade moderna e as ruas lotadas de gente o dia todo.
Na verdade minha primeira impressão foi um pouco diferente. Desembarcamos na rodoviária de Pristina e pegamos um táxi (veja meu post sobre Transporte nos Balcãs para ter mais detalhes). No caminho para o hotel a cidade me pareceu desordenada e sem muitos atrativos. Ficamos hospedados na área do Bazaar, a parte antiga da cidade. É uma região confusa, de ruas irregulares e mercado de rua. Era lá que estava o passado otomano da cidade. Ficamos tão perdidos nessa região que sequer conseguimos encontrar a entrada do Museu Etnográfico! Confesso que ali nós nos sentimos na Ásia, não na Europa.
Minha opinião mudou quando chegamos ao centro da cidade e ao Bulevardi Nënë Tereza, uma rua para pedestres super agradável. Lá não tinha trânsito caótico, motoristas mal educados ou dificuldade para atravessar as ruas. É por isso que amo tanto ruas para pedestres! Elas fazem com que de repente qualquer cidade fique mais civilizada!
Passamos muito tempo subindo e descendo essa rua ou apenas sentados numa das praças observando o vai e vem das pessoas e tentando transformar em experiência as poucas informações sobre o Kosovo que líamos no guia Lonely Planet. Logo percebemos que havia mais bandeiras albanesas nas ruas do que kosovares, o que confirma que a maior parte da população do país é de etnia albanesa. Ainda não tínhamos ido à Albânia e por isso não sabíamos que essa história de que a maioria da população albanesa é muçulmana provavelmente é balela. Reparando nas mulheres nas ruas nós nunca diríamos isso, pois vimos pouquíssimas usando roupas típicas de países islâmicos. Elas se vestiam de forma bem moderninha e em geral estavam bem arrumadas e maquiadas.
Falei um pouco dessa questão das etnias e religiões no post 13 fatos e impressões aleatórios sobre os Balcãs. Se você ainda não leu, corre lá e depois volte aqui! Tem muita coisa interessante!
No final da rua de pedestres a gente avistou a Catedral Madre Teresa, que ficava algumas quadras a frente. Nós não chegamos a ir até ela, mas sabemos que, como seu nome já diz, ela é dedicada a Madre Teresa. Apesar de ter nascido em Skopje, Madre Teresa vinha de uma família kosovar de etnia albanesa. Só sei que Albânia, Macedônia e Kosovo compartilham o orgulho dessa cidadã ilustre.
E na rua lateral ao Boulevard Madre Teresa fica o cartão-postal de Pristina: o Newborn. O monumento foi inaugurado no dia da independência do Kosovo, em 17 de fevereiro de 2008. Já se passaram 7 anos, mas o Kosovo continua sendo o país mais novo da Europa e o segundo mais novo do mundo, só ficando atrás do Sudão do Sul nesse ranking. Até que o monumento continua bem atual! E mesmo que ficasse ultrapassado provavelmente ele continuaria sendo o cenário preferido para turistas e grupos de adolescentes tirarem fotos. ;-)
Para conhecer um pouco da história da independência do Kosovo, fomos ao Museu da Independência. A casa foi utilizada por Ibrahim Rugova – o primeiro presidente do Kosovo – durante a luta pela independência do país. É um museu pequenininho e a visita é super rápida. Há informações em inglês e parte da visita foi guiada em inglês também.
Mas o lugar que mais me impressionou em Pristina foi a Biblioteca Nacional do Kosovo. Ela foi desenhada pelo arquiteto croata Andrija Mutnjaković. Inaugurada em 1982, a biblioteca costuma figurar nas listas de prédios mais feios do mundo (o que eu acho uma injustiça). Há quem o ame e quem o odeie, mas todos devem concordar que esse prédio não passa despercebido!
A visita à Biblioteca Nacional nos contou ainda uma outra história. Quase ao lado dela fica a Catedral de Cristo Salvador, uma igreja ortodoxa sérvia que começou a ser construída em 1992 e ficou inacabada por causa da Guerra do Kosovo. Ela fica cercada por arames farpados e sua situação é indefinida. Por enquanto ela continua de pé, mas é uma espécie de símbolo da presença sérvia no Kosovo que os cidadãos de etnia albanesa querem erradicar. Não sei se vocês conseguirão perceber isso na segunda foto aqui embaixo, mas nem a grama é cortada ao redor da catedral. O contraste é visível.
Por falar em conflitos, pela cidade a gente encontra várias manifestações da população: sinais de descontentamento, questionamentos e, olha só, até de apoio à Palestina! Essa frase em albanês com o rosto estampado estava por todo lado e é claro que procurei saber o que ela significa. Ukshin Hoti foi um professor da Universidade de Pristina, um filósofo e ativista de etnia albanesa. Ele foi preso várias vezes pelos sérvios e desde 1999, quando deveria ser liberado após ficar 5 anos preso, nunca mais foi visto. “Onde está Ukshin Hoti?” é o que perguntam os grafites espalhados por Pristina. (Fonte: Wikipedia)
RESTAURANTE EM PRISTINA: LIBURNIA
Agora vou confessar pra vocês o que realmente me fez de gostar de Pristina assim que saímos do hotel: o Restaurante Liburnia. Por puro preconceito eu não imaginava que encontraria um lugar tão charmoso por lá! Resumindo, o restaurante era lindo, o atendimento foi ótimo, a comida era deliciosa e ainda por cima muito barata. Para terem uma ideia, o prato mais caro do cardápio custava 5,50 €! (Não sei se já falei isso aqui, mas o Kosovo adotou o euro, mesmo não fazendo parte da União Europeia, e em geral o país é bem barato para os turistas.)
Se você for a Pristina, não deixe de conhecer o Liburnia! Vale muito a pena! Ele fica na Rua Meto Bajraktari.
E assim se encerrou nossa curta passagem por Pristina. Não digo que ela é uma cidade imperdível no roteiro de uma viagem aos Balcãs, mas com certeza vale muito a pena conhecê-la. Se faltam atrações turísticas a Pristina, com certeza sobram história, cultura e hospitalidade. Mas calma que ainda vou falar de um lugar super especial no Kosovo: a charmosa Prizren! Aguardem!
Veja todos os posts sobre a minha viagem aos Balcãs.
Olá pessoal. Sonia um casal gaúcho e estamos planejando nossa viagem pelos Balcãs e , curtindo “viaggiando”, também vamos para Pristina. Vai ser um bate- volta de Skopje. Ir num dia e retornar noutro
e suficiente ?
Abração nosso.
Jura e Elaine, de Novo Hamburgo.
Jurandir, um dia é suficiente para Pristina sim, mas se quiserem incluir mais um destino, como Prizren, pode separar mais uma noite para o Kosovo.
Olá Camila, seu blog é incrível, mostra informações bem úteis! Minha irmã está em viagem pelo Leste Europeu e vai para o Kosovo. Como você disse, o Brasil não o reconhece como país e tampouco achei informações de consulados ou embaixadas brasileiras no portal consular, em caso de necessidade. Para qual representação brasileira ela deveria se dirigir ou ligar, em caso de necessidade ou emergência?
Agradeço desde já,
Gustavo.
Gustavo, não sei te dizer ao certo. O Brasil não tem representação lá justamente porque não reconhece a independência do Kosovo em relação à Sérvia. Há embaixadas do Brasil na Sérvia. E pensando em proximidade, também na Albânia e na Bulgária.
É interessante fazer um bate e volta pra Pristina partindo de Skopje? Mesmo com seu relato ainda fico com receio de ir pra lá.
Mas foi muita valiosa sua postagem!
Shirley, acho uma pena fazer apenas um bate e volta, até porque pra mim Pristina nem foi o melhor do Kosovo, eu amei mesmo foi Prizren. Mas você tem receio de que? Viajar por essa região do Kosovo não é diferente de viajar pelos países vizinhos.
Bom dia Camila, muito interessante seu blog. Tem me ajudado a organizar minha viagem. Gostaria de entender o lance de não poder entrar na Servia se tiver carimbo do Kosovo. É isso? Preciso saber pois pretendo ir antes ao Kosovo (entrando pela Macedonia) e depois a Sérvia (entrando pela Boznia).
Abs e parabéns pelo trabalho,
Yuri
Yuri, as informações que obtive na época diziam que não era possível entrar na Sérvia via Kosovo com o carimbo do Kosovo, mas a entrada por outro país não teria problema. Dê uma pesquisada em informações mais recentes para confirmar essa informação. Como não fui à Sérvia, não posso garantir.
Maravilhoso o blog ! Uma duvida – voces usaram taxi pra conhecer os pontos turisticos de Pristina ? Caminhada ?quero ir de onibus de skopje ate la – mas nao achei como se locomover por la ( e aproveitar melhor o tempo)
Aerton, fizemos tudo a pé mesmo.
E então… Como é/foi a parte burocrática da entrada no Kosovo? Digo, não pediram visto? Pelo que vi, foram de ônibus; onde foi que passaram a fronteira?
Isso me interessa porque pretendo ir para lá e realmente não é fácil encontrar informações sobre a entrada de brasileiros no Kosovo!
Obrigado!
Eduardo, nós fomos de ônibus de Skopje para Pristina e vice-versa (não sei o nome do ponto na fronteira, mas acho que só tem uma estrada) e não teve burocracia nenhuma. Quer dizer, foi a mesma que teve pro restante dos passageiros. Nessa região o costume era o motorista recolher os passaportes de todos os passageiros e depois devolver carimbados. Nem precisamos descer do ônibus/van. Foi muito tranquilo. Ah! E nem sempre os passaportes eram carimbados. Ás vezes só carimbavam a entrada ou só a saída. Não entendi a lógica, mas é assim que as coisas funcionam por lá.
Obrigado! Acabei de ver na página do Min. das Relações Exteriores deles que agora aceitam “oficialmente” brasileiros como turistas, sem necessidade de visto. Já andei por outros países da região (http://cartas.edutrindade.com), mas não pelo Kosovo, e tenho muita vontade. Estou tratando de programar uma viagem por lá!
Abraços!
Que ótimo, Eduardo! Pode programar sua viagem sem medo! Gostei muito de conhecer o Kosovo, os kosovares são muito simpáticos.
Oi! Só para te dar um retorno, este ano fui finalmente até o Kosovo. Foi uma viagem muito interessante! Ainda estou organizando as histórias e colocando-as aos poucos no meu blog (http://cartas.edutrindade.com), mas a viagem valeu bastante a pena.
Obrigado e abraços!
Que bom que valeu a pena, Eduardo! É um país que nos dá muito o que pensar, não é?