Benim foi um dos países difíceis. Mais uma vez me ressenti por não falar francês, pois essa é a língua oficial do país. Livros de lá em francês disponíveis mundo afora já são raros e traduções são ainda mais escassas. Depois de mais de um mês de pesquisas que me pareciam infrutíferas, encontrei um autor com livros publicados em inglês que me interessou: Raouf Mama, um aclamado contador de histórias. Ele é um griot, a figura africana responsável por transmitir de forma oral a cultura de seu povo. Era assim que o conhecimento era transmitido em grande parte da África até pouco tempo e por isso os griots eram muito respeitados. A modernidade e a globalização destroem as tradições de forma rápida e os griots estão se tornando cada vez mais raros, mas felizmente há pessoas como Raouf Mama que mantêm esses costumes vivos.
Livros como os de Raouf Mama e diversos outros autores africanos deveriam ser mais traduzidos, publicados em versão digital, espalhados mundo afora para que mais gente pudesse conhecer a rica cultura desse continente, mas já que não é isso que acontece, importei meu exemplar de Why Monkeys Live in Trees and Other Stories from Benin e esperei alguns meses para tê-lo em mãos.
Why Monkeys Live in Trees é uma coleção de contos folclóricos de diferentes grupos étnicos de Benim. O autor diz que se lembra de sua infância, de quando não havia TV e seu passatempo preferido era ficar escutando os mais velhos contarem histórias. Os contos têm conteúdos diferentes, alguns ressaltam fenômenos da natureza, outros têm um apelo moral. Um deles – The Jar and the Necklace – até me assustou um pouco, pois sua mensagem é o famoso “olho por olho, dente por dente”. Em vários contos a seca é o grande problema a ser enfrentado, afinal, ela traz a fome.
O conto The Jar with a Thousand Holes conta a lenda dos reis Adandozan e Guezô, que ocuparam o trono do Reino de Daomé (hoje Benim) entre 1797 e 1858. O Reino de Daomé existiu de 1625 a 1900, quando então foi dominado pela França. De acordo com a Wikipédia, esse reino lucrou muito com o tráfico de escravos. O que mais me impressionou no conto foi a parte que conta que a mãe do rei Guezô (que na época ainda não era rei e se chamava Gakpe) foi vendida como escrava no Brasil. E não é lenda, isso realmente aconteceu!
Esse conto parece refletir a versão oficial: Adandozan era o vilão e Guezô o mocinho que salvou o Reino de Daomé. Qual não foi minha surpresa ao ler o livro Escravos, de Kangni Alem, o que escolhi para representar o Togo, e descobrir que ele contava a mesma história, mas de uma forma totalmente diferente! Em Escravos os papéis de mocinho e vilão foram invertidos. Kangni Alem contesta a versão oficial e diz que a opinião pública foi manipulada e a história reescrita para transformar Guezô em herói.
O fato de que esse capítulo do Reino de Daomé está diretamente ligado à história do Brasil me deixa ainda mais curiosa! Qual versão é verdadeira eu não sei dizer, só sei que adorei a coincidência. Não é uma delícia quando estamos lendo um livro e percebemos que ele conversa com outro livro que já lemos? Nesse caso foi ainda mais legal, pois a coincidência só confirmou o que eu já acredito: que toda história tem pelo menos dois lados.
Why Monkeys Live in Trees and Other Stories from Benin foi publicado originalmente em inglês, em 2006, pela editora Curbstone.
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