Já me falaram que gostam das resenhas que faço aqui no blog porque eu consigo transmitir a essência dos livros sem contar muito da história. Não é uma tarefa fácil, mas eu realmente tento não atrapalhar a experiência de ninguém. Eu acredito que o mais importante não é o desfecho e sim a forma como a história se desenrola, mas acho que muitas vezes saber o final pode fazer com que toda a leitura seja diferente. Como eu queria ter lido Grande Sertão: Veredas sem saber o que viria para Riobaldo e Diadorim! Agora estou relendo Guerra e Paz e queria poder esquecer o que já sei só para poder sentir as emoções das descobertas de novo sem julgar os personagens pelas atitudes futuras. Fiquei esperta com spoilers e ultimamente não tenho lido nem as introduções dos livros. Elas não deveriam nos contar o que não deveríamos saber de imediato, mas há introduções e prefácios mal feitos que fazem isso, como foi o caso de The Past Ahead, o livro de Ruanda.
Muitos livros têm construções lentas e eu acho que os autores nos descortinam as camadas das histórias aos poucos por algum motivo. E por isso eu não sei o quanto devo contar sobre Trap in Infinity, da escritora estoniana Eeva Park. Se você conseguir segurar a curiosidade, vai chegar às cegas numa casa abandonada nas proximidades de Tallinn, capital da Estônia, e lá encontrará a nossa narradora. Ela lutou para chegar ali e agora seu primeiro desejo é comprar uma arma. Não sabemos o que aconteceu com ela, nem porque ela precisa de uma arma agora.
O inverno se aproxima e ao longe ela enxerga as luzes da cidade. Na casa abandonada faz muito frio. Para se aquecer, ela começa a alimentar uma fogueira com livros que encontrou nas casas vizinhas, e é aí que aparece algum consolo.
“But when I started to tear out pages of the already somewhat drier volumes, to feed the dying fire, the light of the freshly burning flames illuminated words that I no longer had the heart to throw away. I started reading from a random spot, from the middle of a coverless book, and suddenly I was in the midst of an entirely different world.”
Quando as histórias dos livros começam a ocupar sua mente, os pesadelos desaparecem pela primeira vez. Já perceberam que muitos escritores colocam trechos assim em seus livros, uma espécie de declaração de amor à literatura?
Trap in Infinity não é linear. Aos poucos a gente vai conhecendo o passado da narradora através de fragmentos de memória e ao mesmo tempo acompanha seus passos no presente. Ela foi muito machucada, física e psicologicamente e ao seu redor também há muito sofrimento. São temas pesados: violência, tráfico de mulheres, prostituição, crianças abandonadas nas ruas…
“But I still couldn’t accept that I had come to a ‘trapping area’ of the universe, where all rules are broken and about which no one on the outside has any idea.”
O astral do livro pouco tem a ver com a Tallinn que eu conheci. Onde estava aquela cidade saída diretamente dos contos de fadas que tanto me encantou?
Sei que eu não disse quase nada, mas posso dizer que vale muito a pena ler Trap in Infinity? Não só pela escrita de Eeva Park, mas principalmente por tudo que ela explora no livro. É pesada, é dolorida, mas é uma história que precisa ser contada. Uma história que vai permanecer muito tempo comigo.
Trap in Infinity foi publicado originalmente em estoniano, em 2003, e em inglês em 2012, pela editora Digira. A tradução é de Madli Puhvel.
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Camila, muito, muito difícil fazer a resenha desse livro sem entregar a estória, parabéns! :-)
Obrigada, Lu! Espero que ninguém veja uma daquelas resenhas que entregam tudo antes de ler o livro. Morro de raiva!