A parte mais difícil da minha viagem ao Sudeste Asiático aconteceu bem antes de eu embarcar: nada foi tão desafiador quanto a escolha do roteiro. Há uma infinidade de lugares interessantes naquela região e nosso primeiro impulso é incluir dezenas de cidades, mas quando a gente coloca os planos no papel percebe que não é bem assim. Um dia, ainda na fase de planejamento, percebi que tinha criado 14 planilhas com diferentes combinações que incluíam Tailândia, Camboja, Malásia, Laos, Myanmar e Vietnã. Quantas opções! Infelizmente Myanmar e Tailândia tiveram que ficar fora do roteiro. Ainda quero muito conhecer esses países, mas agora sei que nenhuma viagem teria sido capaz de me apresentar um aspecto da cultura birmanesa com tantos detalhes como o livro Smile As They Bow, da escritora Nu Nu Yi . Estou falando dos natkadaws. Não se preocupe, eu também não sabia o que eles eram até pouco tempo.
Natkadaws são pessoas que incorporam os nats, espíritos considerados sagrados pela crença popular no Myanmar. Na verdade, não sei se o termo sagrado é o mais correto. Os nats têm características humanas, defeitos e qualidades, e tanto podem ajudar quanto atrapalhar a vida das pessoas. Em Smile As They Bow conhecemos Daisy Bond, um famoso natkadaw que está se preparando para o Festival de Taungbyon, o mais importante festival de nats do Myanmar.
Hoje Daisy Bond é um personagem ilustre, mas logo a gente descobre que ele não se transformou num natkadaw porque possuía algum dom. O que o atraiu para esse mundo foi a possibilidade de ser mais livre, de se vestir como mulher e ter mais liberdade num país em que a homossexualidade é considerada crime.
“When I first came to Taungbyon, I just wanted to dress up like a woman. In my hometown, gay or not, I had to look like a man. No fancy stuff, don’t even think about it. But when I heard about the boys in Taungbyon, how they dressed and put on makeup whenever they pleased, all very happy and, well, gay, I just had to see this Taungbyon for myself. I wans’t a natkadaw then, didn’t know a thing about nats. Must have been my female hormones, I just wanted to doll up and dance.”
O evento mais aguardado do ano se aproxima, mas Daisy Bond está preocupado mesmo é com Min Min, seu jovem ajudante e amante. A relação de Daisy Bond e Min Min é complicada, marcada por dependências e abusos. O maior medo de Daisy Bond é que Min Min encontre uma mulher e se apaixone por ela e parece que isso está acontecendo. Enquanto isso, Taungbyon recebe gente de diversas partes do país para o festival. São peregrinos, músicos, vendedores, todos querendo aproveitar a oportunidade para melhorar de vida.
Smile As They Bow foi censurado durante 12 anos no Myanmar, mas depois foi publicado em inglês e transformou Nu Nu Yi numa das escritoras birmanesas mais conhecidas no mundo. Eu entendo a importância do livro e reconheço que ele cumpriu bem o papel de me apresentar um aspecto cultural do país, mas, para ser sincera, ele não me cativou. Não consegui me envolver com a história ou me conectar com os personagens, apesar de eles serem bem humanos, nem mocinhos, nem vilões. Em compensação, esse foi um dos 10 livros preferidos da Ann Morgan em sua volta ao mundo através dos livros. Então, não confiem apenas na minha opinião. Leiam o livro também e depois voltem aqui pra gente conversar sobre ele. Talvez vocês tenham um olhar mais sensível que o meu.
Smile as they Bow foi publicado originalmente em 1994, em birmanês, e em inglês em 2008, pela editora Hyperion East. A tradução é de Alfred Birnbaum e Thi Thi Aye.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
nossa, concordo com tudo o que vc falou. achei muito louvável a autora trazer um tópico tão relevante à tona, mas a narrativa me pareceu tão fragmentada e enfadonha. Adoro sua página. abraços.
Mais um livro que não amei, mas que me ensinou muita coisa!