Dessa vez eu não me preocupei com as regras que criei para esse projeto. Não me importava o autor, a idade do livro ou o fato de ser uma leitura repetida. Quando sorteei o Azerbaijão não pesquisei nada, pois eu sabia que tinha chegado a hora de reler Ali e Nino, um dos meus romances preferidos na vida. Nem todo livro sobrevive a uma releitura, mas sei que esse posso reler mais uma dezena de vezes antes que ele deixe de me encantar. Se é que esse encantamento poderia acabar um dia! Não cheguei a procurar outros livros do Azerbaijão, mas tenho certeza de que nenhum outro seria capaz de me apresentar o país de forma tão especial como Ali e Nino.
Ali e Nino poderia ser resumido como a história de amor entre o azeri Ali e a georgiana Nino, mas não seria justo reduzi-lo assim. Ali e Nino é muito mais do que isso. Pelo tamanho do livro a gente não imagina que ali dentro há tanta informação sobre a história e a cultura de uma região. E olha que não estamos falando de uma região simples de se definir, mas do Cáucaso, a chamada fronteira entre o Ocidente e o Oriente, entre a Europa e a Ásia. Uma região marcada por montanhas imponentes, diferentes culturas e religiões.
Até hoje não há um consenso sobre a localização da Geórgia, Armênia e Azerbaijão. Países europeus ou asiáticos?
“— Ali Khan, você é um bobo. Graças a Deus vivemos na Europa. Se vivêssemos na Ásia, eu estaria usando um véu há anos e você não poderia me ver.
Dei-me por vencido. A duvidosa localização geográfica da cidade de Baku me permitia contemplar o olhar mais lindo do mundo.”
Baku, a capital do Azerbaijão, era um verdadeiro caldeirão cultural no início do século passado. Ali Khan Chirvanchir, o muçulmano azeri. Nino Kipiani, a cristã georgiana. Nino sonha com a Europa, com suas modernidades e com a liberdade das mulheres. Ali ama Baku e as marcas do Oriente em sua cidade. As diferenças culturais entre eles são grandes.
“Tenho de me casar com ela, mesmo sendo cristã. As mulheres da Geórgia são as mais belas deste mundo. E se ela não quiser? Pois bem… então trago um punhado de rapazes valentes, ponho Nino sobre a sela do cavalo, e depressa partimos para Teerã, para além da fronteira persa. Depois ela terá que ceder, pois o que lhe restaria?”
Esse conflito de culturas e religiões já seria tema suficiente para criar um enredo interessante, mas Kurban Said (chamemos o autor por esse nome por enquanto) não queria apenas contar uma história de amor. O mundo que rodeia Ali e Nino passa por grandes transformações. É o início do século XX. É preciso conhecer um pouco da história da região nesse período para entender os acontecimentos e referências do livro: Revolução Russa, Primeira Guerra Mundial, Genocídio Armênio. Tempos complicados!
Ali e Nino é um clássico do Azerbaijão, mas o autor atravessou as fronteiras do país para nos falar também da Geórgia, da Armênia, da Pérsia, do Daguestão. A Pérsia através do tio de Ali e seu harém. A Armênia através de Nachararian, amigo de Ali e de Nino que acaba tendo uma participação determinante no futuro dos dois.
“Ambos queremos lutar, princesa, ambos, mas não um contra o outro. Um muro íngreme nos separa dos russos. Esse muro são as montanhas do Cáucaso. Se os russos vencerem, nosso país terá que se russificar completamente. Perderemos nossas igrejas, nosso idioma, nossa maneira de ser. Seremos bastardos da Europa e da Ásia, ao invés de uma ponte entre os dois mundos.”
Se você gosta de romances históricos e de conhecer diferentes culturas, aposto que também irá se apaixonar por Ali e Nino. Como é difícil falar de algo que nos é muito caro! Queria poder mencionar aqui vários assuntos abordados no livro, citar mais uma dezena de passagens que chamaram minha atenção, mostrar para vocês o quanto esse livro é especial, mas eu acabaria falando mais do que devo. Só posso recomendar que você o leia para que então possamos conversar sobre ele.
Quanto à identidade do autor de Ali e Nino, o assunto é tão complexo que rendeu um outro livro chamado O Orientalista. O jornalista Tom Reiss fez uma longa pesquisa para descobrir a verdadeira origem de Kurban Said. A história é fascinante! Na introdução de Ali e Nino na edição da Nova Fronteira ele resume o que descobriu, mas muito mais é contado em O Orientalista. Uma história fantástica sobre o autor de um livro igualmente fantástico!
Ali e Nino foi publicado originalmente em alemão, em 1937, e no Brasil em 2000, pela Editora Nova Fronteira. A tradução é de Flávio Quintiliano.
Infelizmente a edição na Nova Fronteira está esgotada e não há previsão de republicação. Há Havia vários exemplares disponíveis na Estante Virtual Vamos cobrar da editora uma nova edição brasileira, porque Ali e Nino é um livro que merece voltar às nossas prateleiras. Aposto que você que já leu concorda comigo. ;-)
Outro livro do Azerbaijão, que ainda não li, é Solar Plexus, do escritor Rustam Ibragimbekov. Por enquanto não há tradução para o português.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
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Camila, adorei também este livro.
Ele tem um lugarzinho especial no meu coração. <3
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Saiu o filme: http://www.imdb.com/title/tt4072326/?ref_=nv_sr_1
Assisti ontem, Daniel! Gostei, mas é claro que continuo preferindo o livro, que é sempre mais cheio de informações. Mas as paisagens do filme são lindas! Você já viu?
Olá, excelente resenha. Parabéns, Camila! Encontrar seu Viaggiando me animou a comprar e ler Ali e Nino. Cabe aqui lembrar que essa linda história de amor é tema de uma enorme e bela escultura cinética na cidade de Batumi, da artista Tamara Kversitadze. Todos os dias às 19h00 dois colossos metálicos de 8 metros de altura se aproximam, se beijam, fundem-se e se afastam. Clique aqui para ter uma noção do quão incrível é esse trabalho, poesia visual mesclando arte e tecnologia, com referência na literatura: https://www.youtube.com/watch?v=P7XVqVSLLdE Tornou-se um ponto turístico hiper visitado à beira do Mar Negro. Outra dica: vale conhecer o recém lançado filme “Ali e Nino” do diretor Asif Kapadia. Abraços!
Essa escultura é linda! Eu estive na Geórgia ano passado, mas não tive tempo de ir a Batumi. Queria ter ido só para vê-la! Mas quero mesmo é ir a Baku passear pelos cenários de Ali e Nino! Você já viu o filme? Eu soube dele, mas na época acho que ainda não tinha sido lançado, não consegui encontrar muitas informações. Vou procurar de novo!
Parece muito interessante! Outro dia vi um filme georgiano, In Bloom, que também fala da questão do sequestro de noivas. Achei estranho essa parte no meio de um romance, mas parece que é bem comum na Geórgia. Tem centenas de casos todo ano, com grande estigma social para a mulher, e as autoridades frequentemente se recusam a processar e recomendam que ela se case com o sequestrador.
Bom, fiquei bem curiosa para ler.
Julia, eu já dia dizer que aposto que você vai adorar Ali e Nino, mas sou suspeita, porque acho que é impossível não amar esse livro! Espero que você leia e depois me conte o que achou. E já vou atrás desse In Bloom!
Vou ler sim, pode deixar. Já até achei a venda em alguns sebos.
No final de semana vi In Bloom. Ainda bem que a Tbilisi que conheci já parecia bem mais feliz!
Sim, ainda bem! Mas é um filme muito bom. To lendo Ali e Nino.