Era difícil escapar do clichê. O livro do Afeganistão seria triste e provavelmente falaria de guerra. Nem me dei ao trabalho de procurar outros temas, escolhi logo um livro que parecia ser bom e facilmente acessível e assim comecei a ler Syngué sabour – Pedra de Paciência, do escritor Atiq Rahimi. Foi uma ótima escolha. O livro conseguiu me mostrar diversas nuances da vida no Afeganistão de uma forma pouco convencional.
Syngué Sabour – Pedra de Paciência, é uma pedra sagrada. Uma pedra negra “diante da qual a gente se lamenta por todas as infelicidades que tem, todos os sofrimentos, todas as dores, todas as misérias”. E a pedra vai absorvendo tudo que ouve, como uma esponja, até que um dia ela parece não aguentar mais e explode. Quando o marido é ferido e volta para casa em coma, ele se transforma na syngué sabour da mulher. Enquanto pinga colírio em seus olhos e vigia sua respiração monótona, a mulher tem a primeira chance de conversar com ele. Ela está casada há dez anos com esse homem que a repeliu com rispidez na única vez em que ela imitou o que via nos filmes indianos e tentou beijá-lo. Para ele a única paixão era a guerra. Uma guerra que ela chama de fratricida. E essa mesma guerra agora está batendo na porta de casa e ela não pode fugir, pois não tem coragem de abandonar o marido, apesar da necessidade que tem de salvar as duas filhas pequenas.
Enquanto a guerra espreita do lado de fora, ela conta ao marido os segredos que carrega, tudo que ela teve que calar durante os anos de casamento. Como sobre o dia em que ela soltou a codorna do pai para que um gato a comesse. O pai vivia apenas para as brigas de codornas. Uma vez ele ganhou muito dinheiro em uma dessas brigas, mas gastou tudo comprando uma codorna caríssima. Depois passou semanas preparando a tal codorna, mas quando chegou o dia da luta ela perdeu. Ele já não tinha mais dinheiro para pagar a aposta, então deu a filha mais velha em casamento. Era a irmã da mulher. Ela tinha doze anos e foi obrigada a se casar com um homem de quarenta para pagar a dívida do pai.
A vida da mulher também não foi nada fácil. Viver em uma sociedade na qual as mulheres quase não têm direitos e os homens são vistos como infalíveis exige muita força e paciência. E a mulher, cujo nome não conhecemos, continuaria calada caso a situação do marido não tivesse lhe dado a chance de falar livremente.
Syngué Sabour – Pedra de Paciência ganhou o Prêmio Goncourt em 2008. Em 2012 ele foi adaptado para o cinema com o nome A Pedra de Paciência. O diretor e roteirista foi o próprio escritor, Atiq Rahimi. A adaptação é impecável. Me senti transportada às páginas do livro enquanto assistia ao filme. Ambos são um fascinante retrato da situação política e social do Afeganistão nos dias de hoje. Recomendo que você leia o livro antes, como sempre prefiro. O filme se tornará ainda mais interessante depois dessa leitura.
Syngué sabour foi publicado originalmente em francês, em 2008, e em português em 2009, pela editora Estação Liberdade. A tradução é de Flávia Nascimento.
Mais alguns livros de escritores afegãos:
- A Cidade do Sol, Khaled Hosseini
- The Sky Is a Nest of Swallows: A Collection of Poems and Essays by Afghan Women Writers
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Adorei o blog ..