Mais uma representante de peso no Projeto 198 Livros: Nadine Gordimer, Nobel de Literatura em 1991. Difícil foi escolher um único autor e um único livro para a África do Sul, pois a boa literatura é abundante por lá. O que me fez querer ler Nadine Gordimer foi sua história de luta contra o Apartheid e por isso escolhi seu livro O melhor tempo é o presente, que tem a segregação racial no país como tema central.
O melhor tempo é o presente narra a história de Jabulile e Steve, um casal que parecia improvável na África do Sul há algumas décadas, já que as leis raciais proibiam as relações entre negros e brancos. Mas eles eram jovens, tinham em comum a luta contra o Apartheid, se apaixonaram e decidiram ficar juntos.
“Ela era negra, ele era branco. Nada mais importava. Identidade era só isso, naquele tempo. Simples como as letras negras nesta página branca. […] Não eram tão visíveis, nem politicamente tão conhecidos, que valesse a pena processá-los nos termos da Lei da Imoralidade: seria melhor mantê-los em observação, segui-los, por um lado, na expectativa de que deixassem pistas que levassem a militantes de mais peso.”
Através da história dos dois acompanhamos a passagem do tempo e o fim do Apartheid. A lei não se baseia mais na cor da pele, todos têm direito de morar ou trabalhar onde quiserem. Agora Jabulile e Steve podem comer em restaurantes e ficar juntos nos hotéis. Na teoria a segregação racial acabou na África do Sul, mas é claro que ela não desapareceria de um dia para o outro. E, apesar de terem os mesmos ideais, Jabulile e Steve têm papéis muito diferentes nesse contexto.
Além de explorar a situação no país após o fim do Apartheid, em O melhor tempo é o presente Nadine Gordimer trata de vários temas relevantes, como a situação das mulheres, as tradições machistas, a colonização na África. Jabulile ensina sua língua, o zulu, para Steve, “contribuindo para a emancipação do marido ao lhe proporcionar a capacidade de se exprimir como africano, e não apenas por meio de uma língua europeia”. Essa questão das línguas locais e do colonizador é tema recorrente nos livros africanos que tenho lido. Acabo sempre comparando com a história brasileira e com a nossa ignorância e até desprezo pelas línguas e cultura indígenas.
Por falar em Brasil, em certo momento a história se passa às vésperas da Copa do Mundo na África do Sul, em 2010, e “quando é pronunciado o nome daquele país sul-americano, um grito se eleva”. O preferido é o time local, claro, o Bafana Bafana, mas depois deles a torcida é pelos brasileiros.
O melhor tempo é o presente é uma obra grandiosa, mas confesso que a leitura não foi prazerosa para mim. Tive bastante dificuldade em me envolver com ela por causa da linguagem. Não sei se meu problema é com a escrita de Nadine Gordimer, já que essa foi a primeira obra dela que li, ou se a culpa foi da tradução, só sei que achei a linguagem pouco natural, as frases empoladas. Foi difícil encarar as 500 páginas do livro, a leitura não rendia, não me empolgava.
Há pouco tempo li outro livro sul-africano que também poderia ter sido o representante do país no projeto, mas que ainda nem havia sido publicado no Brasil na época em que fiz minha escolha. É o livro Sem Gentileza, da escritora Futhi Ntshingila. A abordagem é outra, focada na realidade das camadas sociais mais desfavorecidas na África do Sul de hoje. É um livro pesado, mas forte e bonito e que eu recomendo bastante para quem quiser conhecer a literatura sul-africana contemporânea.
O melhor tempo é o presente foi publicado originalmente em inglês, em 2012, e em português em 2014, pela editora Companhia das Letras. A tradução é de Paulo Henriques Britto.
Mais alguns livros de escritores sul-africanos:
- Sem Gentileza, Futhi Ntshingila
- Desonra, J. M. Coetzee
- Room 207, Kgebetli Moele
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