Várias leituras que fiz até agora no Projeto 198 Livros seguem mais ou menos a mesma receita: a história é contada através da visão de uma criança e a gente conhece tanto o contexto familiar quanto a realidade social, mas de certa forma filtrada pelo olhar infantil. Foi o que ocorreu também em Patchwork, obra da escritora zambiana Ellen Banda-Aaku. Eu gosto desse tipo de narrativa, que geralmente consegue explicar para os leigos detalhes importantes da história e da cultura de um lugar.
Patchwork é narrado por Pumpkin, uma garota de 9 anos que vive com a mãe, Totela, em Lusaka, capital da Zâmbia. Elas têm uma situação financeira estável, o pai de Pumpkin é rico, mas ele tem outra família. Totela é linda, jovem, se veste bem, mas viver na condição de amante é uma tortura para ela e nos momentos em que Joseph Sakavungo não está em casa ela se refugia na bebida. Totela é alcoólatra e a pequena Pumpkin tenta esconder a deplorável situação da mãe de todos. O pai acaba descobrindo e leva a menina para viver em sua grande mansão, junto com sua esposa e seus filhos legítimos que até então Pumpkin não conhecia.
O drama familiar é o pano de fundo para o contexto político-social da Zâmbia no final da década de 70. Ellen Banda-Aaku mostra em seu romance uma realidade de muita vulnerabilidade para as mulheres e aborda problemas graves, como o abuso sexual de crianças. Esse tem sido um tema recorrente em vários livros africanos que tenho lido e a gente sabe que não é passado, mas não apenas na África. A situação no Brasil não é nada diferente, mas talvez as escritoras africanas estejam mais preocupadas em denunciar o problema.
As questões políticas eram um pouco mais complicadas e eu tive que pesquisar para entender o que estava acontecendo na Zâmbia e nos países vizinhos naquela época. Pumpkin fala em toque de recolher, em ataques de forças rodésias, em luta pela independência no país vizinho. Lá fui eu estudar História!
A Zâmbia, antiga Rodésia do Norte, se tornou independente do Reino Unido em 1964, mas a Rodésia (do Sul), atual Zimbábue, só conseguiu o mesmo em 1980, depois de mais de uma década de conflitos. O governo da Zâmbia apoiava a ZAPU – Zimbabwe African People’s Union – o grupo que lutava pela independência da Rodésia. No final da década de 70 a Rodésia atacou Lusaka e esse momento está retratado em Patchwork. Como eu aprendo com esse projeto!
Através do conflito no Zimbábue e também de forma discreta na história dos personagens, Ellen Banda-Aaku também aborda os problemas do colonialismo, essa ferida recente ainda aberta na maioria dos países africanos. Esse é outro tema recorrente nos livros que tenho lido e assim eu também vou montando meu patchwork, que não tem o mesmo sentido do título do livro, mas do qual ele faz parte. Ele tem uma narrativa delicada, que eu gostei bastante de conhecer.
Patchwork foi publicado originalmente em inglês, em 2011, pela editora Penguin.
Mais alguns livros de escritores zambianos:
- Assando Bolos em Kigali, Gaile Parkin
- Seven Modes of Uncertainty, Namwali Serpell
- A Cowrie of Hope, Binwell Sinyangw
- Bitterness, Malama Katulwende
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Há outros livros deste autor?
O site dela traz a lista de obras. Infelizmente nenhuma publicada no Brasil. http://www.ellenbandaaaku.com/Books-by-Ellen-Banda-Aaku.html