Eu sou do interior. Interior mesmo. Nasci numa cidade que hoje tem 20 mil habitantes, cresci em outra que ainda hoje tem menos de 10 mil. Sei o que é se sentir deslocada ao chegar a uma cidade grande, como a protagonista de Mirror, Shoulder, Signal, livro da escritora dinamarquesa Dorthe Nors. Moradores de metrópoles como São Paulo talvez nem considerem Copenhagen uma cidade grande, da mesma forma que talvez não imaginem como é realmente viver no interior, aqui ou na Dinamarca. Eu mesma não imaginava que num país tão pequeno pudessem existir tantos mundos diferentes.
Mirror, Shoulder, Signal conta a história de Sonja. Ela tem pouco mais de 40 anos, é tradutora de romances policiais suecos para o dinamarquês (alô, Lisbeth Salander!), está aprendendo a dirigir e sofre com o fim recente de um relacionamento. Acompanhamos seus percalços com os dois instrutores da autoescola, amigos e família ao mesmo tempo em que a narrativa é permeada com lembranças da sua juventude na área rural de Jutland.
“Sonja looks at the carrousel. She hasn’t tried one since she was six, maybe seven. Back then, she spoke Jutlandic without irony. Now she no longer knows what language she speaks.”
Nada parece estar muito certo na vida de Sonja naquele momento. Ela nunca se adaptou a Copenhagen, mas também se sente deslocada em sua terra natal. A relação com a irmã fica cada dia mais distante. As traduções dos violentos romances policias suecos já a deixa enojada e, tanto nas aulas de condução quanto em momentos cotidianos, ela tenta esconder uma vertigem que a atinge inesperadamente. Um incômodo a acompanha aonde quer que ela vá.
““Can’t you try and translate other authors?” asks Molly. “Some that mean something to you. After all, there ought to be a few Swedish authors who’d like to give readers something besides blood and guts.” “Free market forces,” says Sonja and moves her legs; there’s really not room for them under the café table.”
O romance tem uma narrativa pouco convencional. Se fosse preciso resumir, eu não saberia dizer especificamente sobre o que ele fala. Não há um grande acontecimento, nenhuma reviravolta, nenhum grande tema. Talvez Mirror, Shoulder, Signal no fim das contas não seja sobre Sonja, mas sobre a solidão que acompanha tantos de nós nas grandes cidades. Uma solidão que independe de estarmos cercados de gente, ou melhor, que talvez seja acentuada pelas multidões.
Mirror, Shoulder, Signal foi publicado originalmente em dinamarquês, em 2016, e em inglês em 2017, com a tradução de Misha Hoekstra.
Mais alguns livros de escritores dinamarqueses:
- Senhorita Smilla e o Sentido da Neve, Peter Hoeg
- The Endless Summer, Madame Nielsen
- A Mulher Enjaulada, Jussi Adler-Olsen
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.