Há livros difíceis de se definir e Seeing People Off, da escritora eslovaca Jana Beňová, é um deles. Classificado como um romance, ele tem uma narrativa pouco convencional, numa prosa que podemos chamar de minimalista e fragmentada.
Seeing People Off é centrado nas figuras de Elza e Ian, um jovem casal que vive em Petržalka, distrito de Bratislava. Estranhamente eles não trabalham numa agência de publicidade e também não estão poupando para comprar um apartamento ou carro melhor. Em vez disso, preferem frequentar cafés elegantes, onde comem, bebem e fumam todo o dinheiro que têm.
Certa primavera eles decidem viver a cidade como se estivessem de férias e passam horas lendo, escrevendo e observando as pessoas no Cafe Hyena, onde encontram o casal de amigos Rebeka e Lukas Elfman. As conversas transitam entre filmes, livros e divagações existenciais. Para manter esse estilo de vida, os quatro combinam um revezamento: a cada período de tempo só um deles tem um emprego fixo e sustenta os outros três.
Mas não dá para dizer que esse é o eixo central do livro. Diálogos soltos se misturam com lembranças da infância e descrições da cidade, sem mais preâmbulos que um mero espaçamento na página. Não sabemos ao certo o que é realidade ou imaginação. Afinal, não pode ser verdadeiro um reality show num campo de concentração em que os participantes interpretam guardas e judeus, não é mesmo? Quando descobri que Petržalka foi ocupada pelos nazistas e que entre 1944 e 1945 abrigou um campo de concentração, esse trecho ganhou outra conotação.
Através dessa narrativa confusa, temos relances da vida no período socialista, quando o país ainda era parte da Checoslováquia, e principalmente da vida que se desenha na fase pós-comunista. Bratislava e especialmente Petržalka são como personagens do romance. A cidade e sua história estão entranhadas no dia a dia e na personalidade de seus habitantes.
“The bridge is dangerous, especially if you cross it on foot. The river is too close. The boundary between the water and the air calls you. I’m afraid I’ll suddenly jump.”
À primeira vista Seeing People Off me pareceu apenas um livro estranho, mas quanto mais penso sobre ele mais me convenço de que é um belo ensaio sobre a memória e sobre uma geração que está tentando descobrir seu lugar no mundo.
Seeing People Off foi publicado originalmente em eslovaco em 2008, e em inglês em 2017, pela Two Dollar Radio, com a tradução de Janet Livingstone.
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Fiquei bem interessada nessa narrativa. Parece ser diferente de tudo que já li. Muito obrigada por compartilhá-la conosco, Camila. =)
Oi, Cris! Realmente não é um livro com uma narrativa comum. É bom sair da nossa zona de conforto às vezes, não é?