A essa altura, acredito que vocês que acompanham o Viaggiando já não se deixem enganar por capas bonitinhas e títulos fofos em livros. Ainda mais se ele vier de um país considerado destino turístico paradisíaco, como a Jamaica e seu representante no Projeto 198 Livros: Bem-vindos ao paraíso, da escritora Nicole Dennis-Benn. No original, em inglês, ele saiu com um título diferente, mas também otimista — Here Comes the Sun — e na época foi eleito o melhor livro do ano pelo jornal The New York Times.
Bem-vindos ao paraíso conta a história de Margot, uma mulher que trabalha em um resort de luxo em Montego Bay na década de 90 e tem como principal meta de vida proporcionar um destino diferente à sua irmã mais nova, Thandi. Enquanto Margot foi obrigada a se prostituir desde cedo, Thandi cresce protegida pela irmã para que possa se dedicar aos estudos e cursar medicina. Uma médica na família seria o passaporte necessário para que elas saíssem da pobreza.
Margot tem uma relação bem complicada com a mãe, Delores, que aos poucos vamos descobrindo que a criou de forma muito diferente de Thandi. Os conflitos familiares não param por aí, pois Thandi também não está feliz na situação em que a colocaram. Além de carregar a pressão de ser perfeita e salvar a família, ela não tem vocação para a carreira que escolheram para ela. Na escola em que estuda ela é discriminada por ter a pele mais escura e às escondidas submete-se a tratamento horríveis tentando clareá-la.
Esse é apenas um resumo bem inicial do livro, pois à medida em que a história se desenrola novos fatos e problemas aparecem. Em pouco mais de 400 páginas, em Bem-vindos ao paraíso Nicole Dennis-Benn conseguiu explorar muitos temas: exploração e turismo sexual, gentrificação de destinos turísticos, colonialismo, racismo, colorismo e homofobia. Parece uma miscelânea, mas tudo tem seu contexto e a verdade é que a vida é assim. Os problemas e opressões não são únicos e numa comunidade empobrecida eles se acumulam ainda mais.
A linguagem do livro foge um pouco do convencional, pois os diálogos não foram escritos na norma culta, mas numa língua crioula local. Achei que a tradutora, Heci Regina Candiani, lidou bem com isso e a leitura fluiu tranquilamente. A única coisa que me incomodou no texto foi o excesso de metáforas que a autora utiliza, muitas vezes comparando a situação dos personagens com a natureza da região, como em “Margot sabe que plantou uma semente, talvez a única que tenha potencial para germinar nessa seca.” O artifício é repetido diversas vezes, por isso o notei, mas nada que chegasse a estragar o conjunto da obra. Eu fiquei feliz por Bem-vindos ao paraíso ter sido publicado no Brasil. É um livro muito bom e relevante e que merece ser lido.
Bem-vindos ao paraíso foi publicado originalmente em inglês, em 2016, e no Brasil em 2018, pela Editora Morro Branco. A tradução é de Heci Regina Candiani.
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Que título irônico! Gostei bastante da sua resenha, Camila. Fiquei curiosa para saber como a história se desenrola.
Irônico mesmo, Cris! Bom para mexer com nossas percepções sobre os “paraísos” turísticos.