198 Livros: Brasil – Um Defeito de Cor

 198 Livros - BrasilDurante muito tempo eu pensei que a escolha do livro para representar o Brasil seria o maior desafio da minha volta ao mundo literária. Quando leio uma obra de qualquer país, sei que estou tendo acesso a apenas uma pequena versão da história. Optar por uma delas significa ignorar todas as outras. Mas o que fazer no caso do meu próprio país, da literatura que eu melhor conheço? Eleger um único livro me parecia uma missão impossível. Então, por outros caminhos, eu li Um Defeito de Cor e, como num passe de mágica, meu problema foi resolvido.

Um Defeito de Cor é um romance da escritora mineira Ana Maria Gonçalves. Suas quase mil páginas costumam assustar alguns leitores, mas quem não se intimida pelo tamanho monumental desse calhamaço logo é brindado com uma das melhores narrativas da literatura brasileira contemporânea. Nela conhecemos a história de Kehinde, que nasceu no Reino do Daomé, atual Benim, e ainda criança foi sequestrada, junto com sua avó e sua irmã gêmea, e trazida para o Brasil para ser escravizada.

Após a degradante travessia do Atlântico, Kehinde desembarca sozinha na Ilha de Itaparica, onde torna-se dama de companhia de uma sinhazinha. Seus primeiros anos no Brasil são marcados por violência e exploração, mas ela muito luta e trabalha e consegue conquistar sua liberdade. Isso não significa que a partir daí sua vida será tranquila. afinal, estamos falando do Brasil do século XIX. Se até hoje o racismo é uma marca estruturante da nossa sociedade, imaginemos naquela época.

Um Defeito de Cor - Ana Maria GoncalvesA vida de Kehinde, da sua infância à velhice, é narrada em detalhes. Ela passa por diversos lugares e situações que aos poucos vão tecendo a História brasileira naquele século. Não pretendo esmiuçar aqui nenhuma passagem do livro, mas destaco o cuidado que a escritora teve em retratar a Revolta dos Malês.

Como os posts do Projeto 198 Livros acabam ficando muito tempo no rascunho antes de serem publicados, eles saem aqui passado um tempo desde que li o livro. No caso de Um Defeito de Cor, isso significa que quem me acompanha em outros espaços já me ouviu falar muito sobre ele, que foi uma das melhores leituras que fiz no ano em que o li e entra na minha lista dos melhores romances brasileiros (junto com Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa, e Crônica da Casa Assassinada, do Lucio Cardoso, caso você tenha ficado curioso).

Mas tem um ponto em que nenhum outro iguala-se a ele para mim: Um Defeito de Cor foi o livro que mais me ensinou sobre a Historia do Brasil. Não sei como é o ensino nas escolas hoje, mas eu saí do colégio no ano 2000 e não hesito em dizer que com esse livro aprendi mais sobre o meu próprio país do que em todas as aulas de História que tive. A situação dos escravizados contada por Ana Maria Gonçalves desmente a narrativa que ouvi naqueles anos, que os descrevia como passivos frente à escravidão e então bondosamente libertados pela Lei Áurea.

Espero muito que a História contada nas salas de aula hoje seja diferente e que os atuais alunos não demorem tanto como eu para conhecer a verdadeira realidade do negros trazidos à força para o Brasil. Que saibamos sim da exploração e das atrocidades, mas que também conheçamos os atos de resistência e de organização, além da rica cultura, incluindo as religiões de matriz africana.

Um Defeito de Cor foi publicado originalmente em 2006, pela Editora Record.

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2 Comments

  1. Cristiane Xerez

    Oi, Camila! Compartilho com vc o mesmo sentimento em relação a Um defeito de cor: aprendi mais com ele do que ao longo dos anos nas aulas de história. Também espero que os verdadeiros acontecimentos sejam hoje discutidos na escola, desde os primeiros anos. Aprendi bastante com outro livro indicado por vc que fala da Revolta dos Malês (o nome é Escravos, eu acho). Li Um defeito de cor por indicação sua também. Muito obrigada por me auxiliar na caminhada de descobrir o mundo através dos livros.

    • Camila Navarro

      Oi, Cris! Obrigada você por estar sempre presente por aqui!

      Já viu que algumas pessoas torcem o nariz para a literatura de ficção, como se ela fosse sempre apenas um passatempo? Mal sabem elas o quanto esses livros nos ensinam! E de forma leve e prazerosa. =)

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