Desde que ouvi falar pela primeira vez sobre Kintu, da escritora Jennifer Nansubuga Makumbi, eu soube que ele seria minha escolha para representar a Uganda no Projeto 198 Livros. Comprei o ebook na primeira oportunidade, mas adiei a leitura por um tempo. Eu estava com medo. Além de ser um calhamaço com quase 500 páginas, li alguns comentários dizendo que o livro tinha sido escrito para os ugandenses, de uma forma que parecia torná-lo difícil para um público diverso. Recomendo que vocês não se deixem abater pelo mesmo medo, é completamente infundado.
Kintu é comumente descrito como o grande épico moderno de Uganda. Apesar de saber muito pouco sobre o país e menos ainda sobre sua literatura, eu concordo. O romance conta a história da família Kintu, sobre a qual pesa uma maldição desencadeada há quase 300 anos por Kintu Kidda, um importante líder de seu tempo.
A parte do livro que acompanha Kintu Kidda para mim foi a mais interessante. Ela começa em 1750, quando ele parte rumo à capital para prestar homenagens ao novo Rei de Buganda. Kintu Kidda é um Ppookino, uma espécie de governador. Durante a viagem, ele acidentalmente comete um erro que dá origem à maldição que perpetuará por diversas gerações. Os costumes da época, a ambientação geográfica e os conflitos políticos são narrados com maestria pela autora. As descrições são muito vívidas e marcantes.
Depois omos apresentados a diferentes personagens mais modernos, que a princípio não têm ligação entre si, mas é claro que não faria sentido se assim fosse. Alguns são mais desenvolvidos, outros menos, mas juntos eles compõem um mosaico interessante através do qual conhecemos diversos contextos, urbanos e rurais, da Uganda contemporânea. Há muitas referências aos efeitos da colonização e ao regime ditatorial de Idi Amin.
“Lately, the fact that Paulo insisted on using Kalema as his surname had begun to bother Kanani. The coincidence of the name was too close to the curse. Yet Kanani’s father and even his grandfather had been confident that if the family remained steadfast in the Church and kept their faith they would be safe. Sometimes though, especially at moments like this when his prayer had been blocked by the wandering of his mind, Kanani wondered whether they were. He found solace in the fact that both his father and grandfather had told him that the curse was specific: mental illness, sudden death and suicide. He had not seen signs of mental illness in his family and the twins, whatever their faults, were not suicidal. He pushed the thought out of his mind. The curse was nothing but the work of the Devil and Jesus had trounced all evil at Golgotha.”
Eu fiz quase uma centena de marcações e depois ainda procurei muita coisa na internet. Kintu, o primeiro homem, e uma figura mitológica que faz parte da lenda de criação do povo Ganda. Jennifer Nansubuga Makumbi misturou mito, ficção e realidade de uma forma que mesmo leitores leigos como eu não encontram dificuldades na leitura. E no meio de tudo isso ela ainda encontrou espaço para questionar o patriarcado. Um livro realmente grandioso!
Kintu foi publicado originalmente em inglês, no Quênia, em 2014, pela Kwani Trust. Em 2017 ele saiu nos EUA pela Transit Books e em 2018 no Reino Unido pela Oneworld.
Saiba mais sobre o Projeto 198 Livros.
Parece ser uma ótima fonte para se conhecer um pouco da história de Uganda. Obrigada pela dica, Camila! Pena que mais uma vez não temos uma versão em português. =/
Oi, Cris! Acho que ainda veremos Kintu em português. Ele fez sucesso lá fora, com toda razão!