Eu nunca imaginei que seria tão difícil encontrar livros paraguaios no Brasil. Quando se fala em literatura contemporânea, a tarefa parece impossível. Acabei lendo um livro em espanhol mesmo. Eu acho sempre triste perceber nosso descaso com a cultura dos países vizinhos, como se a diferença linguística, ainda mais sendo línguas tão próximas, a justificasse. Que nada, somos todos latino-americanos! Chico bizarro y las moscas, romance da escritora paraguaia Monica Bustos, é um bom exemplo de que temos mais similaridades do que diferenças.
Chico Bizarro y las moscas é narrado pelo protagonista, o próprio Chico Bizarro. Ele é o chefe de uma gangue e no início do romance parece estar em apuros quando encontram um corpo enterrado no quintal de sua casa. O fluxo de pensamentos muda quando ele recebe a ligação de Elmer, que ele conhece desde a infância no interior paraguaio. Então, de uma forma que nos parece bem desordenada, ele vai nos contando sua história, na qual entram e saem personagens, muitas vezes grotescos, que o levam até o momento complicado em que se encontra.
Chico não é nem um pouco modesto. Ele se acha o mais inteligente e bem sucedido bandido que Assunção, ou melhor, que o Paraguai poderia ter. Sua supremacia precisa ser provada especialmente em relação a Pibe, um antigo colega que acaba se tornando seu pior adversário. Chico Bizarro é destemido e cruel, mas ele tem uma fraqueza: sua amada Soledad.
“Si hubiera tenido a Soledad desde un principio no me habría puesto tan codicioso, habría sido lo contrario, un tipo sin metas, sin ambición. Si ahora, que ya tengo más de lo que imaginé que sería capaz de ganar, ella aceptara casarse conmigo, yo lo habría dejado todo… hasta la última moneda solo para gastar y desgastar todo mi tiempo junto a ella. Y seguro, ahí, ella me dejaría. Voy a concentrarme, voy a tratar de dejar de ser yo para dedicarme a ser yo. Voy a ir dejando este trabajo de mierda poco a poco…, pero primero voy a ganar más dinero, un poco más, mientras espero que Soledad se decida a casarse conmigo.”
O livro traz muitas referências à cultura pop, especialmente música e literatura. Em certo momento Chico Bizarro está vendendo o último Harry Potter, antes de seu lançamento oficial. Mas ele trabalha também com tráfico de drogas e contrabando de arte sacra, peças históricas ou mesmo pessoas. E o que mais aparecer. Um grande leque de crimes que só mesmo a máfia pode ofertar. Um deles envolve Augusto Roa Bastos, o grande nome da literatura paraguaia, em seus últimos anos de vida.
Há também muitas referências históricas, como à Guerra do Paraguai, à ditadura militar e à colonização europeia. Sem contar os causos e lendas urbanas, com direito ao “homem do saco paraguaio” que pelo jeito assombrava as crianças na década de 80. A herança indígena, tão marcante na cultura paraguaia, também está presente. Bom, ela é marcante também aqui, mas acho que não a reconhecemos como deveríamos.
Por vezes eu achei Chico bizarro y las moscas confuso e precisei reler algumas partes para entendê-las, mas, quanto mais penso sobre ele, mais gosto! Ele é sem dúvidas um grande livro, capaz de em poucas páginas falar muito sobre o passado e o presente do Paraguai . Uma ótima obra latino-americana!
Chico bizarro y las moscas foi publicado originalmente em espanhol, em 2010, pela Alfaguara.
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Oi, Camila, tudo bem?
Ouvi sua entrevista no podcast 30 Minutos e achei sua empreitada o máximo! Parabéns por ter conseguido! Assim como pelas novas metas! Apenas uma observação: existem livros paraguaios publicados no Brasil, sim, pelo menos do grande autor paraguaio do século XX, Augusto Roa Bastos. Tenho uma edição de “Eu, o Supremo”, sua obra máxima, publicada nos anos 80 pelo Círculo do Livro. Mas é legal vc ter desbravado um livro e autor menos conhecido! Parabéns novamente!
Oi, Renato! Obrigada!
Na verdade nas minhas pesquisas eu só encontrava o nome de Augusto Roa Bastos mesmo, mas eu procurava obras mais recentes. Em geral tentei ler livros publicados nos últimos 20 ou 30 anos, mas é claro que nem sempre foi possível. Felizmente eu consegui ler uma autora contemporânea em espanhol, mas ainda não me conformo por não trazerem para cá o que os autores paraguaios estão publicando agora. E mesmo Augusto Roa Bastos mereceria novas edições, né? Mas tenho esperança de que isso mude, pois está crescendo o número de autores latino-americanos por aqui.