O rascunho desse post estava pronto há um tempo e nele eu lamentava que She Would Be King, romance da escritora Wayetu Moore, não estivesse disponível em português. Ele foi uma das minhas melhores leituras de 2021 e eu gostaria de indicá-lo sem limitações de língua a todos vocês. Que surpresa boa eu tive agora ao descobrir que ele foi recentemente publicado pela Darkside Books sob o título Ela Seria o Rei. Fico feliz não só por agora termos um livro da Libéria no Brasil, mas ainda por cima um livro excelente!
Ela Seria o Rei é o romance de estreia de Wayetu Moore. Quando ela tinha apenas 5 anos, a família abandonou Monróvia, a capital do país, fugindo da Primeira Guerra Civil da Libéria. Na época sua mãe estava estudando nos EUA e, para proteger as crianças dos horrores da guerra, seu pai inventava histórias fantásticas. Ela e as irmãs estariam jogando um jogo que as levaria até a mãe. Os tiros ouvidos seriam lutas de dragões e os cadáveres nas ruas eram transformados em pessoas dormindo na estrada, como ela contou em uma entrevista ao The New York Times. Após se reencontrarem com sua mãe em Serra Leoa, a família se estabeleceu no Texas. Wayetu Moore diz que a escrita foi uma das formas que ela encontrou para lidar com os traumas da guerra.
O romance de certa forma usa a mesma estratégia que seu pai usou, mas agora para narrar outro período da História da Libéria: a formação do país. Gbessa é uma jovem de etnia Vai que é exilada de sua aldeia na África por ser considerada bruxa desde o dia em que nasceu. Aparentemente, ela é imortal. June Dey é um afro-americano escravizado que foge da plantação em que trabalhava nos EUA e que tem uma força física sobrenatural. Na Jamaica nasce Norman Aragon, filho de uma jovem escravizada Maroon e um colonizador branco britânico e que aprende com a mãe a ficar invisível quando deseja. A historia de cada um desses três personagens por si só já seria interessante, mas quando o caminho deles se entrelaça tudo fica ainda melhor!
Nesse ponto eu preciso confessar que eu não sabia absolutamente nada sobre a Libéria até começar a ler Ela Seria o Rei e me espantei ao saber que o pais tem uma História tão única. Além de ser um dos poucos países africanos que não oram colonizados pelos europeus, ele foi fundado, em 1821, por ex-escravizados estadunidenses libertos. A empreitada teve o patrocínio de uma associação privada que defendia que os negros ficariam melhor se voltassem para a África. Me pergunto se seria para o bem dos negros ou dos brancos que queriam o embranquecimento da sociedade com o fim da escravidão? A princípio o país surgiu como uma colônia dos Estados Unidos, mas em 1847 declarou sua independência.
Ela Seria o Rei mostra os problemas que surgiram quando essa colônia foi criada. Como todo colonizador, os EUA não pensaram que o território que escolheram para construir sua colônia já estivesse ocupado. A população local foi ignorada em meio às negociações e é claro que embates territoriais surgiram desde o nascimento da Libéria. Se os intrincados detalhes históricos não forem suficientes para despertar seu interesse pelo livro, saiba ainda que Wayetu Moore narra essa história de maneira primorosa, usando o realismo mágico para explicar e também suavizar a formação de seu país. Ah, quem dera Gbessa, June Dey e Norman Aragon realmente existissem…
Apesar de na verdade eu ter lido a versão original, She Would Be King, prefiro citar aqui o título em português, Ela Seria o Rei, pois é assim que ele é conhecido no Brasil e eu realmente espero que muitas pessoas o leiam. Eu não posso opinar sobre a tradução ou a edição do livro brasileiro, é claro, mas acredito que não haja nenhum problema que me faria desaconselhar sua leitura. Então, que seja em inglês ou português, fica aqui minha recomendação veemente: leiam Wayetu Moore! E depois voltem aqui para me contam se gostaram tanto quanto eu.
She Would Be King foi publicado originalmente em inglês, em 2018, pela Graywolf Press. Ele foi publicado no Brasil em 2022, sob o título Ela Seria o Rei, pela editora Darkside, com tradução de Larissa Bontempi.
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Lendo seu texto, fiquei bem interessada em conhecer mais dessa história. Muito obrigada, Camila, por compartilhar conosco mais essa experiência. E que bom que há uma versão em português.
Espero que você leia, Cris! Quero que alguém me conte se gostou tanto quanto eu!